Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2698
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ROUBO
AGRAVANTE
ARMA APARENTE
ARMA OCULTA
Nº do Documento: SJ200710240026983
Data do Acordão: 10/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I - Constando da matéria de facto que:
- no dia 06-07-2006, pelas 17h15, na Rua…, junto ao parque da cidade, o arguido abeirou-se de AD e, perante a recusa daquele em dar-lhe um cigarro e dinheiro, bem como em mostrar-lhe o telemóvel, afirmou “não me faças fazer isto”, ao mesmo tempo que empunhava numa das mãos um objecto metálico em atitude de ofender corporalmente;
- temendo pela sua integridade física e pela própria vida, o AD entregou ao arguido o telemóvel Motorola L7, no valor de € 219,90;
- logo que recebeu o telemóvel mencionado, o arguido abandonou o local, levando-o consigo, dele se tendo apoderado, dando-lhe destino não concretamente apurado, mas em proveito próprio;
- o arguido actuou com o propósito, conseguido, de intimidar o AD com o anúncio da prática imediata de ofensa à integridade física para o impossibilitar de resistir, e, deste modo, de o obrigar a entregar-lhe o identificado telemóvel, que integrou no seu património, ciente de que não lhe pertencia;
não se pode considerar preenchida a circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP.
II - Na verdade, subjacente à referida circunstância encontra-se, por um lado, o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente e, por outro lado, a clara diminuição de capacidade defesa da vítima. Daí que no conceito relevante de arma para efeitos de agravação do facto não caiba todo o objecto ou instrumento de agressão, mas tão-só aqueles objectos ou instrumentos cuja posse confere ao agente uma efectiva superioridade e que reduzem a capacidade de defesa da vítima, colocando esta, objectivamente, em inferioridade perante aquele, possibilitando o seu constrangimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 35/06, da 2ª Vara Mista de Guimarães, AA, devidamente identificado, foi absolvido de dois crimes de coacção e condenado como autor material, em concurso real, de dois crimes de furto simples, dois crimes de furto qualificado e cinco crimes de roubo agravado, na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação que, no seu parcial provimento, por efeito de requalificação de quatro dos crimes de roubo (que considerou como de roubo simples), com redução das respectivas penas, fixou a pena conjunta em 4 anos de prisão.
Recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça.
São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação:
1. O recorrente considera não ter sido realizada qualquer prova capaz de concretizar a aptidão objectiva do meio ofensivo utilizado para a prática do crime do dia 06/07/2006 suficiente para qualificar o crime de roubo pela alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, por remissão da alínea b) do n.º 2 do artigo 210º, ambos do Código Penal.
2. Da matéria de facto dada como provada ficou consignado apenas, que o arguido, perante a recusa da vítima em dar-lhe um cigarro e dinheiro, bem como em mostrar-lhe o telemóvel, afirmou “não me faças fazer isto” ao mesmo tempo que empunhava numa das mãos um objecto metálico em atitude de ofender corporalmente.
3. Apenas resulta do douto acórdão do tribunal a quo, que o objecto utilizado pelo arguido era um objecto metálico, um objecto que o arguido colocou entre os dedos, uma coisa fina e direita e, finalmente, que era um arame.
4. Resulta ainda da gravação do depoimento da única testemunha inquirida, BB, evidentes contradições quanto às características do objecto utilizado pelo arguido, que inicialmente disse ser um ferro, depois um ferrito pequeno e, a final, um arame fino que o próprio disse ser facilmente dobrável.
5. Não ficou provado o comprimento do objecto, a sua grossura e robustez, capaz de comprovar tratar-se de um meio ofensivo com aptidão objectiva para ofender fisicamente e para agredir quem quer que seja.
6. A convicção do tribunal a quo para decidir como decidiu, fundou-se no receio e constrangimento das vítimas perante a eminência da ofensa à sua integridade física, sem cuidar de averiguar da eficácia objectiva para ofender ou agredir do meio utilizado.
7. A decisão recorrida não levou em conta os pressupostos necessários à condenação do crime de roubo qualificado pela alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, por remissão da alínea b) do n.º 2 do artigo 210º do Código Penal, como bem decidiu este Venerando Tribunal no acórdão de 20/05/1998, proferido no processo n.º 261/98, quando refere no âmbito desta questão que: “…não se exige a idoneidade lesiva do instrumento intimidatório utilizado na prática do crime mas sim a sua aptidão objectiva para ofender fisicamente, para agredir…”.
8. Existe contradição notória no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, quanto à fundamentação que determinou a desqualificação do crime praticado pelo arguido no dia 11/07/2006 e a confirmação da decisão da 1ª instância na manutenção da qualificação do crime de roubo praticado no dia 06/07/2006.
9. Os fundamentos que determinaram a desqualificação do crime praticado no dia 11/07/2006 deveriam, de igual modo, determinar a desqualificação do crime perpetrado no dia 06/07/2006.
10. Como bem conclui aquele Tribunal da Relação de Guimarães, “…a arma, como agravativa dos crimes de furto e roubo, tem de revestir-se de efectiva perigosidade. É a potencial danosidade da arma – a possibilidade de o agente vir a utilizá-la como meio de agressão e de com ela ofender fisicamente a vítima de forma significativa – que justifica a qualificação”.
11. No que respeita ao crime praticado no dia 06/07/2006, não se vislumbra em parte alguma dos autos, quer no acórdão da 1ª instância, como na gravação do depoimento da única testemunha, matéria suficiente para provar a efectiva perigosidade e danosidade da arma que determine a condenação do arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de roubo qualificado pela alínea b) do n.º 2 do artigo 210º, por referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204º.
12. Pelo que, e consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, deverá ser revogado o douto acórdão recorrido no respeitante ao crime praticado pelo recorrente no dia 06/07/2006, assim se fazendo a costumada Justiça.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1. O recorrente vem condenado, ao demais, pela comissão em 2006.07.06 de um crime de roubo qualificado p. e p. no artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
2. Atenta a matéria de facto que vem assente, não se mostra evidenciado que a arma/instrumento usado pelo recorrente na comissão do roubo, pelas suas características, permita ter por adquirida a existência de um perigo objectivo delas decorrente.
3. O fundamento da agravação prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, radica, justamente, no perigo objectivo que a utilização de uma arma envolve, ao determinar uma maior dificuldade de defesa, um maior perigo para a vítima, permitindo, ao agente, por sua vez, uma acrescida audácia e autoconfiança.
4. A conduta do recorrente deve ser enquadrada no tipo fundamental, o previsto no artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, como vem impetrado.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, após referência à regularidade e validade do recurso, promoveu a designação de dia para audiência.
Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

Única questão que vem colocada no recurso é a da qualificação jurídica dos factos perpetrados pelo arguido no dia 6 de Julho de 2006, entendendo este que os mesmos devem ser requalificados, por não integrarem o crime de roubo agravado pelo qual foi condenado, antes o de roubo (simples) do artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.
Questão que oficiosamente se suscita é a da eventual aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, face às alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro.
As instâncias deram como provados os seguintes factos - (1):

1 – I - 895/06.4PB - Em execução de acordo prévio, e em conjugação e esforços, no dia 03/07/2006, pelas 15,30 horas, no parque de estacionamento sito na Alameda Prof. .........., Creixomil, Guimarães, o arguido e mais quatro indivíduos não identificados que o acompanhavam, abeiraram-se de CC que se encontrava sentada juntamente com o DD num dos bancos lá existentes, tendo um deles solicitado dois Euros.
2 - Quando o DD empunhou a carteira que trazia no bolso e a abriu para retirar os dois Euros que ofereceu ao referido indivíduo, o arguido apercebeu-se de que na mesma existia mais dinheiro em notas.
3 - Nessa altura, o arguido retirou então a carteira das mãos do DD e, por sua vez, do interior desta retirou e guardou os € 15 que nela se encontravam, devolvendo-a depois ao dono.
4 – Entretanto, vendo também o te1emóvel Sharp, modelo GX 29, no valor de € 75, pertença da CC, pousado no banco onde estava sentada, o arguido pegou também nele e guardou-o, depois de retirar e devolver à dona o cartão de ligação à rede de chamadas.
5 - De seguida o arguido e acompanhantes devolveram dois Euros ao DD e abandonaram o local, levando consigo o telemóvel e os € 15 em dinheiro.
6 – O arguido e acompanhantes venderam a pessoa não identificada o telemóvel e gastaram em proveito próprio o dinheiro obtido com a sua venda e os € 15.
7 – O telemóvel veio a ser recuperado em circunstâncias não concretamente apuradas.
8 – O dinheiro foi gasto pelo arguido e acompanhantes em proveito próprio.
9 - O arguido e acompanhantes actuaram de forma concertada, com o propósito conseguido de, contra a vontade e sem autorização dos legítimos donos, fazerem integrar no seu património o telemóvel e os € 15 em dinheiro, cientes de que não lhes pertenciam.
10 - II - 897/06.OPB e 958/06.6 - No dia 04/07/2006, pelas 17,00 horas, no Largo ................, Guimarães, o arguido abordou o EE, e o FF e pegou no telemóvel Nokia da rede Vodafone, pertença do EE, e no telemóvel Sharp GX 15, também da rede Vodafone, pertença do FF, no valor de € 100 cada, que se encontravam pousados nas escadas onde aqueles estavam sentados, ao mesmo tempo que lhes perguntou se eram "roubados".
11 - Como a resposta foi negativa, o arguido, após afirmar que era polícia, efectuou várias perguntas sobre os telemóveis e ordenou-lhes que o acompanhassem ao carro patrulha, alegadamente estacionado no Campo de S. Mamede, Guimarães, para certificar se os mesmos eram ou não "roubados".
12 - Como o EE lhe solicitou que se identificasse, o arguido, em vez de se identificar, elevou o tom de voz e de forma agressiva afirmou "sabes para quem estás a falar'?, mostra-me mas é a tua identificação.
13 - Perante tal atitude do arguido e convencidos de que o AA era efectivamente um agente de autoridade em exercício de funções, ambos acataram as suas ordens, tendo o GG exibido o seu bilhete de identidade, que aquele verificou, e ambos seguido atrás dele.
14 - Só quando chegaram próximo do Campo de S. Mamede e constatando que neste e nas suas imediações não se encontrava estacionado qualquer veículo da P.S.P., é que o EE e o FF se aperceberam que o arguido não era agente de autoridade.
15 - Nessa altura e depois de lhes dizer para, o aguardarem, o arguido abandonou o local e levou consigo os dois telemóveis, deles se tendo apoderado
16 - O arguido actuou com o propósito conseguido de realizar a apreensão dos telemóveis e a identificação do EE, arrogando-se a qualidade de agente da P.S.P. com competência para o efeito que ele não possuía, convencendo assim o EE e o FF de que era agente de autoridade e, através deste estratagema, de integrar no seu património os referidos telemóveis contra a vontade e sem autorização dos legítimos donos, ciente de que não lhe pertenciam.
17 – IV 921-06.7PB – No dia 06/07/2006, pelas 17,15 horas, na Rua ............, freguesia ........, Guimarães, junto ao parque da cidade, o arguido abeirou-se de BB e, perante a recusa daquele em dar-lhe um cigarro e dinheiro, bem como em mostrar-lhe o telemóvel, afirmou “não me faças fazer isto” ao mesmo tempo que empunhava numa das mãos um objecto metálico em atitude de ofender corporalmente.
18 - Temendo pela sua integridade física e pela própria vida, o BB entregou ao arguido telemóvel Motorola L 7, com o nº 300000000000000, da rede Vodafone, no valor de € 219,90.
19 - Logo que recebeu o telemóvel mencionado, o arguido abandonou o local e levou-o consigo, dele se tendo apoderado, dando-lhe destino não concretamente apurado, mas proveito próprio.
20 - O arguido actuou com o propósito conseguido de intimidar o BB com o anúncio da prática imediata de ofensa à integridade física para o impossibilitar de resistir, e, deste modo, de o obrigar a entregar-lhe o identificado telemóvel que integrou no seu património, ciente de que não lhe pertencia.
21 – IV - 921-06.7PB - No dia 10/07/2006, pelas 16,00 horas, na Rua ................, Guimarães, Parque da Cidade, o arguido, empunhando um objecto metálico pontiagudo em disposição de ofender, abeirou-se de HH e II, e, depois de obter deste último uma nota de € 5, ordenou-lhes que pusessem tudo o que transportavam em cima de uma mesa ali existente.
22 - Temendo pela sua integridade física e pela própria vida, a HH e o II acataram a ordem do arguido e colocaram em cima da mesa os haveres que traziam consigo, designadamente, documentos pessoais, dinheiro e telemóveis.
23 – O arguido retirou então da mesa € 1,20 em dinheiro pertença da HH e o telemóvel Samsung ZV 10, no valor de € 75, pertença do II, bens que guardou e de que se apoderou.
24 – Entretanto, a HH e o II, depois de recolheram os demais objectos, acompanharam o arguido a solicitação deste para dar uma volta e seguiram-no em direcção à escola Santos Simões através de um caminho de atalho existente no mencionado parque, na esperança de poderem recuperar o telemóvel Samsung.
25 - Porém, no trajecto, a HH, assustada com a situação e receosa de que o arguido lhes viesse a causar outros males mais graves, retirou do bolso o seu telemóvel Siemens MC6O, no valor de € 50, do bolso, e começou a efectuar uma chamada a pedir ajuda.
26 - Nessa altura e apercebendo-se dos propósitos da HH, o arguido retirou-lhe da mão o telemóvel e guardou-o.
27 - Momentos depois, o arguido devolveu à HH e ao II os cartões de ligação à rede e abandonou o local levando consigo os mencionados telemóveis e os € 6,20 em dinheiro, de que se apoderou.
28 - O arguido gastou o dinheiro em proveito próprio e vendeu os telemóveis a pessoa não identificada por valor não apurado, tendo igualmente gasto em proveito próprio o dinheiro conseguido com a sua venda.
29 - Estes telemóveis vieram a ser recuperados pelo II em poder de pessoa não identificada e em circunstâncias não concretamente apuradas.
30 - O arguido actuou com o propósito conseguido de intimidar a HH e o II com o anúncio da prática imediata de ofensa à sua integridade física para os impossibilitar de resistir, e, deste modo, de os obrigar a entregar-lhe os € 6,2 em dinheiro e os identificados telemóveis, que integrou no seu património, ciente de que não lhe pertenciam.
31 - V - 926/06.8PB - No dia 11/07/2006, pelas 18,45 horas no Parque da cidade de Guimarães, junto do restaurante Formigas, o arguido abeirou-se do JJ e a KK, que se encontravam sentados na relva, e sentou-se também junto deles empunhando uma seringa contendo um líquido avermelhado e com agulha que apontava na direcção do abdómen de um, e de outro, alternadamente, em disposição de ofender.
32 - De seguida, o arguido exigiu que "lhe dessem o dinheiro todo e os telemóveis" e, ainda, que "não fizessem barulho, nem se mexessem, senão espetava-os e picava-os" com a agulha da seringa.
33 - Temendo pela sua integridade física e pela própria vida, não ofereceram qualquer resistência, tendo de imediato o JJ entregue ao arguido duas moedas de dois Euros e a KK o seu telemóvel Nokia 6600, no valor de € 200, e € 10 em dinheiro, que ele guardou depois de, a solicitação desta, restituir o cartão de ligação à rede de chamadas.
34 – Dado que naquele local onde se encontravam estavam a passar várias pessoas, o arguido ordenou-lhes que o acompanhassem, ordem que o JJ e a KK foram forçados a acatar devido à seringa que aquele continua a apontar-lhes, seguindo os três para um local mais isolado, situado a cerca de 100 metros de distância.
35 - Logo que ali chegaram, o arguido exigiu de novo ao JJ que lhe "entregasse o telemóvel, senão picava-o" com a seringa a ele apontada, e afirmou ainda que "não confiava neles, concordaria em vender o telemóvel se fosse a casa buscar a sua pistola".
36 - Face às insistências do arguido e à predisposição por ele demonstrada em utilizar a seringa, que manteve sempre empunhada, para os agredir corporalmente, o JJ entregou-lhe o telemóvel Nokia 6600, no valor de € 200, que ele guardou depois de também restituir o respectivo cartão de ligação à rede de chamadas.
37 - Seguidamente, o arguido abandonou o local e levou consigo os telemóveis e o dinheiro, deles se tendo apoderado, enquanto que o JJ e a KK ali continuaram por ordem daquele, que os advertiu de que lá deviam permanecer e só podiam sair quando o tivessem perdido de vista.
38 - O arguido vendeu a pessoa não identificada e gastou em proveito próprio o dinheiro conseguido com a venda e o dinheiro retirado aos ofendidos.
39 - O arguido actuou com o propósito conseguido de intimidar o JJ e a KK com o anúncio da prática imediata de ofensa à sua integridade física para os impossibilitar de resistir, e, deste modo, de os obrigar a entregar-lhe as mencionadas quantias em dinheiro e os identificados telemóveis, que integrou no seu património, ciente de que não lhe pertencia, forçando-os a deslocar-se, contra a sua vontade, do local onde se encontravam para um outro local mais isolado situado a cerca de cem metros de distância, no Parque da cidade de Guimarães.
40 - O arguido agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas.
41 - O arguido era toxicodependente à data da prática dos factos, gastando cerca de € 30 diários com o consumo de drogas.
42 - Em 2005, o arguido frequentou o C.A.T., mas sem sucesso.
43 - No início do corrente ano frequentou um curso de formação profissional.
44 – O arguido é uma pessoa calma e educada.
45 - Actualmente, o arguido encontra-se abstinente do consumo de drogas.
46 - O arguido confessou parcialmente os factos mas com diminuto relevo.
47 - O arguido mostrou-se arrependido por ter praticado os factos que confessou.

Alega o arguido que da matéria de facto dada por provada resulta, relativamente à subtracção verificada no dia 6 de Julho de 2006, haver utilizado um objecto metálico, que colocou entre os dedos, razão pela qual devem ser requalificados os respectivos factos, procedendo-se à convolação do crime de roubo agravado pelo qual foi condenado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, para o crime de roubo (simples) do artigo 210º, n.º 1, consabido que a lei ao considerar como elemento qualificador do roubo a posse de arma, tem em vista a potencial danosidade e a efectiva perigosidade daí decorrente, traduzida na possibilidade de o agente usar aquela como meio de agressão e com ela ofender fisicamente a vítima de forma significativa, o que se não verifica perante um mero objecto metálico.
Vem provado que: «No dia 06/07/2006, pelas 17,15 horas, na Rua da ......, freguesia da Costa, Guimarães, junto ao parque da cidade, o arguido abeirou-se de AA e, perante a recusa daquele em dar-lhe um cigarro e dinheiro, bem como em mostrar-lhe o telemóvel, afirmou “não me faças fazer isto” ao mesmo tempo que empunhava numa das mãos um objecto metálico em atitude de ofender corporalmente.
18 - Temendo pela sua integridade física e pela própria vida, o BB entregou ao arguido telemóvel Motorola L 7, com o nº 3000000000000, da rede Vodafone, no valor de € 219,90.
19 - Logo que recebeu o telemóvel mencionado, o arguido abandonou o local e levou-o consigo, dele se tendo apoderado, dando-lhe destino não concretamente apurado, mas proveito próprio.
20 - O arguido actuou com o propósito conseguido de intimidar o BB com o anúncio da prática imediata de ofensa à integridade física para o impossibilitar de resistir, e, deste modo, de o obrigar a entregar-lhe o identificado telemóvel que integrou no seu património, ciente de que não lhe pertencia.».
A circunstância qualificativa do roubo da alínea f) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, estabelecida pela alínea b) do n.º 2 do artigo 210º - (2).trazer o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta –, já constava da versão originária do Código Penal, por via da remissão constante do então n.º 5 do artigo 306º
- (3)., sendo que nos n.ºs 2 e 3 deste artigo se previam circunstâncias qualificativas atinentes ao uso ou utilização de arma, no n.º 2 à utilização de (qualquer) arma e no n.º 3 à utilização de arma de fogo.
Certo é que o Código Penal pré-vigente, por influência do Código Penal francês, como nos dá conta Luís Osório
- (4)., também previa para o crime de furto circunstância agravante correspondente, radicando o seu fundamento na maior dificuldade de defesa contra indivíduo armado, num maior perigo para as pessoas que podem ser vítimas do emprego da arma e a maior timibilidade que, geralmente, o agente revela, pois em regra, quem traz uma arma é para dela se servir
- (5).
À circunstância em apreço, tal como então, encontra-se pois subjacente, por um lado, o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente e, por outro lado, a clara diminuição de capacidade defesa da vítima
- (6)..
Daí que no conceito relevante de arma para efeitos de agravação do facto não caiba todo o objecto ou instrumento de agressão, tão só aqueles objectos ou instrumentos cuja posse confere ao agente uma efectiva superioridade e reduzem a capacidade de defesa da vítima, colocando esta, objectivamente, em inferioridade perante aquele, possibilitando o seu constrangimento
- (7).
Ora, tendo-se provado, apenas, que o arguido AA empunhava numa das mãos um objecto metálico…, é evidente que não se pode considerar preenchida a circunstância qualificativa da alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, do Código Penal, a significar que o recurso merece provimento, razão pela qual há que proceder à requerida convolação para o crime de roubo do artigo 210º, n.º 1.
Cumpre pois determinar a medida da pena entre o mínimo e o máximo da moldura aplicável (1 a 8 anos de prisão)
Como este Supremo Tribunal vem decidindo, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que deve ser prosseguida, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Tendo em vista todas as circunstâncias ocorrentes, com especial destaque para a circunstância de o arguido ser primário, sendo toxicodependente à data dos factos, fixa-se a pena em 2 anos de prisão.
Há que reformular o cúmulo jurídico de penas.
De acordo com o artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, a pena conjunta, através da qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 2 anos e 2 meses de prisão e o máximo de 13 anos e 10 meses de prisão.
Por outro lado, segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.
Primeira observação a fazer face ao regime legal da punição do concurso de crimes é a de que o nosso legislador penal não adoptou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto, desde a absorção – aplicação da pena mais grave – ao cúmulo material, passando pela exasperação.
Segunda observação a fazer é a de que a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente.
Como doutamente diz Figueiredo Dias (8), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
Analisando os factos verifica-se que aos crimes em concurso, todos eles cometidos num curto período de tempo, concretamente entre 3 e 11 de Julho de 2006, subjaz um factor ou elemento comum, qual seja a toxicodependência do arguido.
Pese embora o arguido haja perpetrado nove crimes, cinco dos quais de roubo, a verdade é que, por ora, não se deve atribuir-lhe tendência criminosa, atento o denominador comum ocorrente aquando de todos os factos, qual seja a sua toxicodependência.
Tudo ponderado, fixa-se em 3 anos e 10 meses a pena conjunta.
Suspensão da Execução da Pena
O instituto da suspensão da execução da pena, na sequência das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, passou a ser aplicável a penas de prisão até 5 anos – artigo 50º, n.º 1.
Deste modo, há que averiguar se a pena aplicada ao arguido AA deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução.
Pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa objectivamente fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o condenado da criminalidade.
A par de considerações de prevenção especial coexistem, porém, considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
No caso vertente, tendo em atenção a circunstância de estarmos perante delinquente primário, encontrando-se subjacente a todo o comportamento delituoso a toxicodependência do arguido, a qual se mostra, por ora, ultrapassada, para além de arrependimento, entende-se suspender a execução da pena conjunta aplicada ao arguido, sujeita a regime de prova, cujo plano será definido em 1ª instância.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, convolando o crime de roubo agravado por que o arguido foi condenado pelas instâncias para o crime de roubo do artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, com fixação da respectiva pena em 2 (dois) anos de prisão, condenando-o na pena conjunta de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, por efeito da reformulação do cúmulo jurídico de penas, com suspensão da sua execução pelo período 3 anos e 10 meses, sujeita a regime de prova, cujo plano será definido em 1ª instância.
Sem tributação.

Restitua-se o arguido imediatamente à liberdade

Lisboa, 24 de Outubro de 2007

Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pires da Graça
Raul Borges
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(1)-O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao do acórdão de 1ª instância.
(2)-O texto destes artigos resulta da revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
(3)-A pena de 1 a 8 anos de prisão prevista para o crime de roubo (simples) era elevada nos seus limites mínimo e máximo de metade, por efeito desta agravante.
(4)- Notas ao Código Penal Português, IV, 86.
(5) - Cf. Luís Osório, ibidem.-
(6)-Dúvida não há de que assim é, tanto mais que de acordo com o Projecto de Revisão do Código Penal de 1982, conforme se vê das Actas da Comissão de Revisão (acta n.º 30 relativa à reunião ocorrida no dia 15 de Maio de 1990), a alínea a) do n.º 2 do artigo 206º, sob a epígrafe de “Roubo”, tinha a seguinte redacção:
«2. A pena será a de prisão de 2 a 12 anos se:
a) Qualquer dos agentes trouxer consigo arma para evitar ou vencer a resistência da vítima» (sublinhado nosso).
(7)-É neste preciso sentido que a jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal vem decidindo – cf. entre muitos outros, os acórdãos de 98.05.20, 07.01.18, 07.03.08 e 07.03.21, proferidos nos Recursos n.ºs 322/98, 4351/06, 626/07 e 1039/07.
(8)-Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.