Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
346/13.8JELSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CORREIO DE DROGA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE
CULPA
Data do Acordão: 06/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Legislação Nacional:
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 21.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 02.05.2012, PROC. N.º 132/11.0JELSB.S1, DA 3.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT , E JURISPRUDÊNCIA AÍ CITADA.
Sumário :

I - O recorrente foi condenado, em 1.ª instância, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-B, anexa, na pena de 6 anos de prisão.
II - O recorrente, desembarcou no aeroporto de Lisboa, num voo, proveniente de Natal (Brasil), com destino a Portugal, e trazia dissimulado junto ao corpo, no interior de um corpete e de umas ceroulas pretas, 3462,655 g de cocaína.
III - A quantidade de droga na posse do arguido representa um valor económico importante, o suficiente para 163 000 consumos diários/média. São, pois, elevadas as necessidades de prevenção geral expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados «correios de droga» assumem um papel essencial.
IV - Não é possível ignorar o papel essencial dos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os “correios” têm a consciência de serem os instrumentos do mal.
V - A pena aplicada situa-se nos limites propostos pela jurisprudência do STJ em que assume relevância a quantidade de droga apreendida. Igualmente relevante o perfil de vida do arguido em que releva a circunstâncias de evidenciar uma opção por condutas à margem da legalidade com as condenações evidenciadas pelo seu registo criminal. Não se vislumbra qualquer razão para colocar em causa a pena aplicada.
Decisão Texto Integral:

                          Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA veio interpor recurso da decisão que, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º nº1 do DL nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-B anexa o condenou na pena de 6 (seis) anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressa nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

Em Conclusão:

1.         O recorrente foi condenado numa pena de prisão de seis anos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p, e p. pelo artigo 21.°, nº 1, do DL n.º 15/93, de 22/1, com referência à Tabela anexa ao mesmo diploma legal.

2.         Tendo em conta a factualidade assente, é inequívoco que a conduta do arguido integra a prática de crime, todavia, da factualidade assente ressalta que se trata de “ correio de droga" com uma culpa menor.

3.         De acordo com a jurisprudência, consensualmente aceite tais atas censuráveis é certo devem ter um tratamento penal diferente,

4.         O transporte de droga não estava dotado de técnicas, logística, meios tecnológicos sofisticados, pelo contrário trata-se do de um ser humano que trazia junto ao seu corpo, o estupefaciente apreendido.

5.         A pena concreta poderia ser encontrada, aliás como vêm sendo fixado pejo Supremo Tribunal de Justiça, em casos similares ao que se discute, em pena que não excedesse os cinco anos de prisão pugnando-se por pena inferior a, o que se requer ao abrigo do principio da proporcionalidade e ao abrigo do disposto no artº 40 do C.P.

6.         Atentas as circunstâncias dos factos, sendo que o Recorrente os praticou numa situação de carência económica; fragilizado emocionalmente e ainda a sua situação familiar, profissional e socioeconómica, a confissão, o arrependimento, a sua idade 57 anos.

Em consequência, entende que deve o presente acórdão ser revogado por outro que reduza a pena cominada, por outra inferior, mas que se pugna próxima dos cinco anos de prisão.

Respondeu o Ministério Publico advogando a manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal de Justiça a Exª Mª Srª Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se pela forma constante de fls referindo que:

1-A factualidade dada por provada no acórdão recorrido é integradora de tráfico de cocaína, levado a cabo por “correio”, sendo incriminada nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01.

2-Seja o modus operandi, sejam as restantes circunstâncias provadas que, dentro da moldura abstracta do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo referido artigo 21.º, n.º 1, relevam para a medida concreta da pena, não diferem particularmente das que se verificam na generalidade dos casos de tráfico de estupefacientes detectados nos aeroportos nacionais, levados a cabo por “correios” e que têm sido julgados, em recurso, pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3-Parece nos, por isso, que uma pena não superior a cinco anos de prisão seria adequada a responder às exigências de prevenção geral e especial, não colocando em causa o limite que a culpa constitui.

Sendo acentuadas as exigências de defesa do ordenamento jurídico face à frequência e danosidade dos crimes de tráfico de estupefacientes, praticados por “correios”, parece nos que uma pena de substituição não acautelaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por colocar em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, que a incriminação do tráfico de estupefacientes pretende salvaguardar, e a «estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias».
Os autos tiveram os vistos legais

                                            *

                                                    Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 5 de Setembro de 2009, o arguido AA foi contactado por um individuo que conhece por " Abel", de nacionalidade portuguesa, num café na zona de Campanhã, cidade do Porto, que lhe propôs efectuar uma viagem ao Brasil, onde iria receber cocaína, que devia transportar, por via aérea, para Portugal, recebendo como contrapartida a liquidação das dívidas que tinha para com este, no valor de cerca de 6.000 €, mais ficando acordado que no dia da chegada o arguido deveria dirigir-se à Gare do Oriente, em Lisboa, para que fosse recebido o produto estupefaciente transportado.

2. Assim, em conformidade com o plano acordado, no dia 5/09/2013, o arguido AA embarcou em voo com destino ao Brasil, e durante a permanência naquele país foi abordado por um indivíduo não identificado, que lhe entrego

3. No dia 15/09/2013, pelas 10h48, o arguido AA chegou ao Aeroporto

Internacional de Lisboa, no voo TP002, procedente de Natal, Brasil, tendo como destino final a cidade de Lisboa.

4. O arguido apresentou-se, pelas 12h00, no serviço da Alfândega, no corredor verde "nade a declarar", e no âmbito dos habituais controlos alfandegários, foi- seleccionado e sujeito a controlo de bagagem e revista pessoal.

5. Nesse momento; forem detectadas, dissimuladas junto ao corpo do arguido, no interior de um corpete e de umas ceroulas pretas que o mesmo vestia na ocasião, treze embalagens envoltas em fita adesiva prateada que cobriam o tronco, nádegas e pernas, ·contendo tais embalagens no seu interior uma substância em pó de cor branca, suspeita de se tratar de cocaína, com o peso bruto de 4.889,800 gramas.

6. Submetido a exame pericial de toxicologia, resultou confirmado que o arguido AA transportava 13 embalagens de cocaína (cloridrato), com peso líquido da amostra cofre 32,955 gr e peso líquido do remanescente de 3429,700 gr.

7. O arguido tinha ainda na sua posse, na mesma ocasião:

- a quantia de 250 € (duzentos e cinquenta euros), em numerário;

- a quantia de 264 € (duzentos e sessenta e quatro) reias;

- um "boarding pass" referente ao voo TP002 proveniente de Natal (Brasil) e com destino a

Lisboa, em nome de AA;

- uma etiqueta de mala, referente ao mesmo voo, em nome de AA;

- um comprovativo de depósito em nome de BB, no valor de 8.550

reais, correspondente a 3.000· €; 

- três cartões de visita de hotéis, situados em Natal, Brasil:

- um telemóvel de marca NOKIA, modelo 100, de cor preta, com IMEI nº 357259054160933, com cartão SIM da Vodafone, com o nº ... e respectiva bateria;

- um telemóvel de marca NOKIA, modelo 100, de cor preta, com IMEI nº 3572900575687449, com cartão SIM da Vodafone, com o nº ... e respectiva bateria;

- um telemóvel de marca NOKIA, modelo 202, de cor preta, com IMEI nº 356694057250284 e o IMEI nº 356694057250292, com cartão SIM da operadora móvel OI com o nº 955315029926739596 e com o cartão SIM da operadora móvel TIM com o nº ... e respectiva bateria.

8_ O arguido agiu com intenção de transportar, a partir do Brasil para Portugal o produto estupefaciente que veio a ser apreendido e que sabia ser destinado à decência a terceiros, para o que receberia, pelo menos, a quantia de 5.000 €.

9 _ O arguido conhecia a natureza e características do produto estupefaciente que detinha e transportava, bem sabendo que a sua detenção não é legalmente permitida, ~e actuando com o intuito de obter com a sobredita conduta benefício económico.

10. As quantias apreendidas destinavam-se a fazer face às despesas inerentes à viagem.

11. Os telemóveis NOKIA apreendidos tinham como função ser utilizados nos contactos entre os suspeitos não identificados, que recrutaram o arguido e recebiam o estupefaciente por ele transportado, para transmitirem as instruções para a viagem, recepção do produto estupefaciente, seu transporte e entrega em território nacional.

12. O arguido AA já realizara, em Fevereiro de 2013 e Abril de 2013 anteriores viagens ao Brasil.

13. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Quanto à situação económico-social do arguido provou-se que:

14. O processo de socialização do arguido decorreu no seio de um agregado familiar equilibrado e funciona, composto pelos progenitores e quatro descendentes.

15.~ Iniciou o percurso escolar em idade própria; tendo "concluído o 6º ano de escolaridade sem registo de reprovações.

16. Posteriormente, ingressou num curso profissionalizante de carpintaria/marcenaria, de equivalência ao 90 ano, que viria a abandonar depois de ter reprovado no terceiro e último ano do mesmo.

17. Aos 18 anos iniciou-se no mercado de trabalho, trabalhando como carpinteiro por conta de outrem.

18. À data da prática dos factos, o arguido residia sozinho na cidade do Porto, vivenciando uma situação económica de precaridade económica, desde meados de 2012, altura em que ficou desempregado.

19. Como rendimento possuía apenas o Rendimento Social de Inserção, frequentando nesse âmbito acções de formação profissional.

20. Beneficiava de-apoio por parte da irmã (CC) familiar com quem tem vindo a estabelecer maior relação de proximidade.

21. Mantinha, a nível afectivo, um relacionamento de namoro com uma cidadã de nacionalidade venezuelana.

22. Em termos pessoais, denota ser um indivíduo com défice de competências pessoais e sociais.

23. Evidencia dificuldade ao nível da interiorização do desvalor do ilícito praticado, e dificuldade em distanciar-se de situações disruptivas, bem como fraca capacidade autocrítica e descentração.

24. No Estabelecimento Prisional manifesta comportamento regular e consentâneo com as normas vigentes.

                                             *

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:

25. Por acórdão proferido pela 2Q Vara Criminal do Porto, em 1/0111997, no âmbito do Processo nº 233/96, foi condenado, pela prática de um crime de burla agravada e um crime de furto qualificado, na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão.

26. Por sentença proferida- pelo Tribunal Judiciar de Vila Nova de Gaia,··em -4/05/1997,- no âmbito do Processo nº 419/96, foi condenado, pela prática de um crime de burla, na pena de 8 meses de prisão.

27. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial do Porto, em 26/06/1998, no âmbito do Processo nº 177/98, foi condenado, pela prática de um crime de falsificação, na pena de 7 meses de prisão.

28. Por acórdão cumulatório referente aos processos identificados em 25, 26 e 27, proferido pela 4Q Vara Criminal do Círculo do Porto, em 24/02/1999, foi condenado na pena única de 5 anos de prisão.

29. Por acórdão proferido pela 4ª Vara Criminal do Porto, em 20/05/1999, no âmbito do Processo nº 26/99, foi condenado, pela prática de um crime de falsificação, na pena de 13 meses de prisão.

30. Por acórdão proferido pela lQ Vara Criminal do Porto, em 29/06/1999, no âmbito do Processo nº 101/99, foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de falsificação, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

31. Por acórdão proferido pela 2Q Vara Criminal do Porto, em 18/03/2003, no âmbito do Processo nº 42/02.1PEPRT, foi condenado, pela prática de um crime de receptação, um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento, na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.

32. Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Espinho, em 26/06/2003, no âmbito do Processo nº 355/00.7GEGDM, foi condenado, pela prática de dois crimes de burla simples e três crimes de falsificação de documento, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão.

33. Por acórdão cumulatório proferido pelo Tribunal Judicial de Espinho, no âmbito do Processo nº 355/00.7GEGDM, em 24/06/2004, foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

34. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial do Porto, em 14/04/2005, no âmbito do Processo nº 383/01.5PSPRT, foi condenado, pela prática de um crime de falsificação de documento e um crime de burla simples, na pena única de 15 meses de prisão.

35. Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, em 28/09/2005, no âmbito do Processo nº 134/01.4GBVNF, foi condenado, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, na pena única de 3 anos de prisão.

36. Por acórdão cumulatorio proferido pelo Tribunal Judicial de -Vila Nova de Famalicão, - em 27/11/2007 e transitado em julgado em 29/09/2008-, no âmbito do Processo nº 134/01.4GBVNF, foi condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

37. Por decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas, no âmbito do Processo nº 1530/03.8TXPRT, transitada em julgado em 2/11/2012 a pena aplicada ao arguido, referida em 36, foi declarada cumprida e extinta com efeitos desde 12/08/2012.

                                         *

     I

Importa verificar se, na esteira do afirmado pelo recorrente, existe uma violação na pena aplicada:

  No que concerne, e recorrendo ao que, a propósito, escrevemos noutras decisões, em situações similares, deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010) em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).

            Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.

   A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.

      A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. 

A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial.

                                         *

             O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime.

  Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos e os motivos internos. Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética.

   Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo.

                                           *

Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção- é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui, deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente. Sem dúvida que estas circunstâncias devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena. Assim dentro das condições pessoais jogam um papel, só determinável caso por caso, a origem e a educação, o estado familiar, a saúde física e mental, a posição profissional e social, as circunstâncias concernentes ao modo de vida e a sensibilidade do agente face á pena.

Pertencem, além do mais, á personalidade do agente a medida e classe da necessidade de ressocialização do agente assim como a questão de saber se existe tal necessidade. Assim, a educação; a formação escolar; a profissão; as relações sociais; o estado de saúde; a inteligência; o posto de trabalho; os encargos económicos podem fazer com que os efeitos da pena apareçam a uma luz totalmente distinta. Em particular a escolha entre pena privativa de liberdade e multa; a duração daquela a selecção de tarefas e regras de conduta dependem das considerações acerca da forma como o processo sancionador completo, incluída a eventual execução de uma pena privativa de liberdade, se repercutirá no agente, na sua posição profissional e social, e no fortalecimento do seu carácter com vista á prevenção de futuros delitos.

                                             *

O círculo de elementos fácticos de individualização de pena amplia-se substancialmente mediante a consideração da vida anterior do agente e a conduta posterior ao delito. Esta ampliação é indispensável para relacionar de uma maneira de uma forma que seja justo e previna a comissão de delitos.

O princípio do acusatório não é violado pela valoração de factos anteriores e posteriores ao delito. Sem embargo a individualização da pena não pode ser um acerto de contas com o agente porque não é missão do direito penal trazer perante o tribunal toda a história de vida de um cidadão

A conduta posterior ao delito pode constituir um elemento importante a propósito da culpa e da perigosidade do arguido.

                                                    

       II

Face a esta explanação de natureza teórica, e que apenas pode relevar como premissa na lógica que nos leva á individualização da pena no caso concreto, impõe-se, agora, a consideração das circunstâncias singulares que este revela. Uma primeira conclusão, face á argumentação da recorrente, é de que foram devidamente valorados os factores de medida da pena que, em seu entender, justificariam uma diminuição da medida da pena.

            A decisão recorrida imprime um carácter vincante, na medida da pena, às necessidades de prevenção geral expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados “correios de droga” assumem um papel essencial. Em tal consideração relevaram circunstâncias ligadas á “execução do facto” abrangendo-se a elevada ilicitude deste reflectida nas quantidades apreendidas.

            A decisão recorrida valorou intensamente a quantidade, fazendo reflectir tal valoração na consideração na intensidade da ilicitude. Estamos em crer que a questão da quantidade não se pode colocar em termos absolutos. Porém, igualmente é certo que, ao nível de tipo de ilícito há que considerar o elevado grau de perigo pela forma como são colocados em causa valores fundamentais da vida em comunidade com a finalidade de conseguir vantagem em termos patrimoniais.

 Indubitavelmente que cerca de cinco quilogramas de cocaína serão consumidos por um número muito grande de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante. Especificamente, e considerando os indicadores constantes de documentos oficiais, a cocaína no caso vertente, representaria o suficiente para 163.000 consumos diários/média e, segundo o relatório da Policia Judiciária relativo ao ano de 2012 um valor de cerca de 240.000 Euros[1]   

   Não é possível minimizar, como faz o recorrente, a dimensão do ilícito representada pela potencialidade que representa a quantidade apreendida em termos de ofensa de bem jurídico protegido.

                                           *

     Em relação á desvalorização sobre o papel dos “correios de droga” deverá salientar-se a relevância específica, em sede de ilicitude, resultante das circunstâncias singulares do tipo legal violado e que imprimem carácter vincante às necessidades de prevenção geral, expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados “correios de droga” assumem um papel essencial.

    Tal circunstância não pode obscurecer a policromia de actuações que cabem no âmbito do mesmo tipo legal imputado ao agente-artigo 21 do diploma citado- e, consequentemente, em sede de culpa a diferença que existe entre quem detém o domínio do tráfico e se propõe auferir o correspondente lucro ilícito e aquele cuja intervenção é meramente instrumental, quando não acidental, assumindo os riscos principais da parte logística, inclusive a nível de integridade física, a troco de uma compensação monetária.

      Em abstracto tal diferença é patente no perfil sócio-económico dos denominados correios de droga (debilidade socio-económica; estruturas sociais mais frágeis) que se conjuga com um aumento substancial do número de detenções deste tipo de agente de crime, essencialmente na Europa e na América do Sul.

   Porém, refira-se que não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal. Saliente-se que, durante o ano de 2011, foram aprendidos 3.678.217 gramas de cocaína dos quais uma parte substancial transportada pelos mesmos “correios”.

  Em termos de mera hipótese académica saliente-se o desvalor da tese da redução da pena defendida pelo recorrente. A prevalecer tal tese, e em termos de relação custo/beneficio, a decisão criminosa seria sempre afirmativa face á inexistência de uma privação efectiva de liberdade contraposta á possibilidade de elevados proventos económicos.

Sendo certo que em cada decisão penal se reflectem opções de política criminal tal pressuposto é por demais evidente no caso dos denominados correios de droga pois que a minimização da prevenção geral corresponde á proliferação de tal tipo de actuação criminosa transformando o nosso país em porta de entrada de tal tipo de tráfico. Como é evidente tal consideração é formulada em abstracto e será sempre a concreta conformação dos diversos factores de medida de pena que, em concreto nos levam á determinação desta.  

            A percepção de tal fenomenologia está patente nas decisões deste Supremo Tribunal de Justiça que, perante situações com um perfil comum, aplicam penas idênticas e em que o traço distintivo da medida da pena tem a sua génese nas particulares características de cada caso.[2]

                                                               *

            A pena aplicada no caso vertente situa-se nos limites propostos por tal jurisprudência em que assume relevância, como no caso vertente e nas condições descritas, a quantidade de droga apreendida.

Igualmente relevante o perfil de vida do arguido em que releva a circunstância de globalmente evidenciar uma opção por condutas à margem da legalidade com as condenações evidenciadas pelo seu registo criminal.

Assim, na definição do caso vertente converge a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em situações similares sendo as razões potenciadas pelo passado criminal do recorrente.

            Encontrando-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena não se vislumbra qualquer razão para, no que concerne, colocar em causa a decisão recorrida no que concerne á pena aplicada.

                                              *

           

Termos em que se julga improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente

Taxa de Justiça 4 UC



11-06-2014

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes

--------------------
[1] http://www.policiajudiciaria.pt/PortalWeb/content?id=%7BC759122D-078C-4530-8105-72E02699B564%7D
[2] No que tange a condenações por transporte de cocaína, por correios de droga, e fazendo uso parcial da listagem constante do Acórdão do STJ de 02.05.2012, relatado pelo Exmº. Senhor Juiz Conselheiro Dr. Raul Borges no Proc. n.º 132/11.0JELSB.S1, da 3.ª Secção, constante da Base de Dados da DGSI, constata-se que:- No referido processo, relativo ao transporte de 2.996,51 gramas de cocaína que possibilitaria a preparação de 14.982 doses, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada à arguida na 1ª instância foi reduzida para 4 anos e 10 meses de prisão;- No Acórdão de 05.12.2007 do STJ, proferido no Proc. n.º 3406/07 da 3.ª Secção,  onde estava em causa o transporte de 4.012 gramas de cocaína, o correio foi sancionado com pena de 5 anos e 2 meses de prisão;- No Acórdão do STJ de 16.01.2008, proferido no Proc. n.º 4565/07 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 3.051,977 gramas, foi aplicada a pena de 5 anos de prisão;- No Acórdão do STJ de 23.01.2008, proferido no Proc. n.º 4567/07 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 1.988,604 gramas, foi aplicada a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;- No Acórdão de 20.02.2008, proferido no Proc. n.º 295/08 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.185,33 gramas de cocaína, foi aplicada a pena de 5 anos de prisão;- No Acórdão do STJ de 09.04.2008, proferido no Proc. n.º 825/08 da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de 1.387,852 gramas de cocaína, foi mantida a pena de 5 anos de prisão;- No Acórdão de 17.04.2008, proferido no Proc. n.º 806/08 da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de 1.427,380 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 anos de prisão efectiva;- No Acórdão do STJ de 07.05.2008, proferido no Proc. n.º 1409/08 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.357,638 gramas de cocaína, foi mantida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;-No Acórdão do STJ de 11.09.2008, proferido no Proc. n.º 2155/08 da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 3.114,777 gramas, foi mantida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão fixada em 1.ª instância;- No Acórdão do STJ de 22.10.2008, proferido no Proc. n.º 2838/08 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 4.593,86 gramas, foi mantida a pena de 6 anos de prisão;- No Acórdão do STJ de 23.10.2008, proferido no Proc. n.º 2813/08 da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de 3.962,06 gramas de cocaína, foi reduzida para 5 anos e 6 meses de prisão a pena de 6 anos de prisão que havia sido imposta;- No Acórdão do STJ de 14.05.2009, proferido no Proc. n.º 46/08.0ADLSB.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 3.968,17 gramas, foi confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão que havia sido imposta;-No Acórdão do STJ de 18.06.2009, proferido no Proc. n.º 368/08.0JELSB.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 4.605 gramas, foi reduzida para 5 anos a pena de 6 anos de prisão que havia sido aplicada em 1.ª instância;- No Acórdão de 15.10.2009, proferido no Proc. n.º 24/09.2JELSB.S1 da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.507,870 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;- No Acórdão do STJ de 10.02.2010, proferido no Proc. n.º 67/09.6JELSB.L1.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.507,870 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;- No Acórdão do STJ de 10.02.2010, proferido no Proc. n.º 217/2009.2JELSB.S1 da 3.ª Secção, estando em causa  o transporte  de cocaína com o peso líquido de 2.907,562 gramas, foi aplicada a pena de 4 anos e 9 meses de prisão;- No Acórdão do STJ de 25.02.2010, proferido no Proc. n.º 137/09.0JELSB da 5.ª Secção, estando em causa o transporte de 3.116,400 gramas de cocaína, foi reduzida para 5 anos a pena de 5 anos e 6 meses que havia sido aplicada;- No Acórdão do STJ de 25.03.2010, proferido no Proc. n.º 312/09.8JELSB da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.891,19 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 anos e 2 meses de prisão;- No Acórdão do STJ de 15.04.2010, proferido no Proc. n.º 7/09.2ABPRT.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de cocaína com o peso de 1.690,83 gramas, foi reduzida para 5 anos a pena de 6 anos de prisão que havia sido imposta em 1ª instância;- No Acórdão do STJ de 12.05.2010, proferido no Proc. n.º94/09. 6JELSB.L1.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 4.041,55 gramas de cocaína, foi reduzida para 5 anos a pena de 5 anos e 10 meses de prisão que havia sido aplicada; - No Acórdão do STJ de 09.06.2010, proferido no Proc. n.º 449/09.3JELSB.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 4.785,300 gramas de cocaína foi confirmada a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;- No Acórdão de 29.06.2011, proferido no Proc. n.º 1878/10.5JAPRT.S1 da 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2.121,810 gramas de cocaína foi reduzida para 5 anos a pena de 5 anos e 6 meses de prisão que havia sido aplicada.