Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3210
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ROUBO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
VÍTIMA
ROUBO AGRAVADO
ARMA
AMEAÇA
SERINGA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
DIREITO AO RECURSO
Nº do Documento: SJ20071213032103
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Sumário :
I - O art. 4.º do DL 48/95, de 15/03 [Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim] mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor, em 22-08-2006, da Lei 5/2006, de 23-02, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os 45 tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.
II - O crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo à própria vida alheia – cf. Acs. do STJ de 18-05-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 185, de 24-05-2006, Proc. n.º 1049/06 - 3.ª, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06 - 3.ª, e de 24-01-2007, Proc. n.º 4066/06 - 3.ª.
III - O direito à vida – bem supremo do homem –, à liberdade – de decisão, de acção, de movimentos –, com os reflexos direitos à saúde, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego) e à integridade física, referem-se a bens eminentemente pessoais que, merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, do crime de roubo, merecem tutela constitucional – arts. 24.º, 25.º, 27.º e 64.º da CRP – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – art. 70.º do CC.
IV - Sujeito passivo do crime pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda-nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física – cf. Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, tomo II, págs. 163 e 179.
V - A propósito da qualificativa dos crimes de furto e de roubo «porte de arma aparente ou oculta» têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes.
VI - Uma, actualmente e desde há cerca de uma década, apresentando-se como dominante, que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.
VII - Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois, como se refere no CP Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos (1996, 2.º vol., pág. 443), «o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota.»
VIII - A jurisprudência tem dado por afastada essa qualificação, em variados enquadramentos factuais, relativamente a pistolas de alarme, tidas como facto atípico para efeitos de actuar como qualificação, consideradas apenas como requisito bastante para integrar a ameaça de perigo a que se refere o n.º 1 do art. 210.º do CP.
IX - Igualmente em outros casos se tem considerado que o roubo é apenas agravado pela utilização de arma quando o agente emprega algo que possa ser utilizado como instrumento eficaz de agressão: réplica de pistola, pistola de plástico, pistola isqueiro, simulação de arma enrolada em casaco, esferográfica a simular navalha, pistola simulada (objecto com configuração de arma de fogo), objecto não definido, pensando a vítima tratar-se de revólver, pistola de calibre 6,35 de características não concretamente apuradas, daqui não se extraindo que estivesse municiada ou sequer em condições de funcionalidade, pistola de características não apuradas, objecto similar a arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, objectos que aparentem ser armas de fogo ou arma verdadeira, objecto não apurado, e objecto metálico.
X - Para outra corrente, para se verificar a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, basta que a arma tenha a virtualidade de o homem médio ou comum pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente. Nesta concepção a qualificativa é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
XI - Nesta linha insere-se o acórdão de 27-06-1996 (CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 201, e BMJ 458.º/196, citado no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 81), e, dez anos volvidos, o acórdão do STJ de 25-10-2006 (Proc. n.º 3042/06 - 3.ª), onde, seguindo aquele, se refere: «Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada.»
XII - Acolhendo esta orientação podem ver-se vários arestos deste STJ, em que estava em causa a utilização de pistola de alarme, pistola que não estava em condições de disparar, isqueiro em forma de pistola, pistola de fulminantes, pistola cujas características não foram apuradas, facas, spray, arma de pressão de ar, objecto com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro, retratado nos autos, pistola não municiada encostada à cabeça, sendo os mais recentes os Acs. de 23-02-2005, Proc. n.º 4443/04 - 3.ª, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06 - 3.ª, já referido, e de 10-01-2007, Proc. n.º 4082/06 - 3.ª.
XIII - Não tendo sido apreendidas e examinadas as seringas utilizadas no cometimento dos crimes de roubo, desconhecendo-se quais as suas características, não constando que estivessem infectadas, que os recorrentes tivessem dito que eram seropositivos ou que estivessem infectados com o vírus da sida, limitando-se a matéria de facto a descrever a utilização das seringas como forma de potenciar a ameaça sem acrescentar mais nada às suas características que permitisse aquilatar do seu poder destrutivo ou ofensivo, não pode ter-se por verificada a qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP.
XIV - Fixada a pena única do arguido AM em 5 anos de prisão, poderá colocar-se a questão de saber se será de considerar a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena imposta, face à nova redacção dada ao art. 50.º, n.º 1, do CP, pela Lei 59/2007, de 04-09, tendo em conta o princípio da lei penal mais favorável, de acordo com o comando constitucional ínsito no art. 29.º, n.º 4, da CRP, e com o art. 2.º, n.º 4, do CP.
XV - A nova versão é indubitavelmente mais favorável, pois que actualmente é possível aquela suspensão, reunidos os demais pressupostos, em casos em que tenha sido aplicada pena de prisão até 5 anos.
XVI - Mas, colocando-se aqui e agora, pela primeira vez, tal possibilidade, não se deverá avançar no sentido de a equacionar, uma vez que o recorrente, no âmbito do processo, sempre poderá, se assim o entender, requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime mais favorável, de acordo com o art. 371.º-A do CPP, na redacção dada pela Lei 48/2007, de 29-08, em que será avaliada numa audiência essa possibilidade, pois de contrário, decidindo-se desde já, estar-se ia a impedir um grau de recurso, o que contrairia o direito reconhecido em sede constitucional desde a Lei 1/1997, com a inclusão da parte final «incluindo o recurso» no n.º 1 do art. 32.º da CRP.
Decisão Texto Integral:

No processo comum colectivo nº 668/06.4PSLSB (19/2007), da 3ª secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa foram submetidos a julgamento os arguidos:
AA, solteiro, natural do Campo Grande, Lisboa, nascido em 1 de Maio de 1976, filho de... e de ..., pintor da construção civil, residente na ....., nº 00, 6º A, Alta de Lisboa, preso preventivamente à ordem destes autos;
BB, solteiro, natural de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, nascido a 12 de Fevereiro de 1980, filho de ... e de ..., servente de pedreiro, residente na Av. .., Torre 00, 8º J, Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, preso preventivamente à ordem destes autos.
Por acórdão de 4 de Julho de 2007 foram condenados:
O arguido AA pela prática, em co-autoria material, de cinco crimes de roubo, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles e pela prática de doze crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 204º, nº 2, alínea f), todos do Código Penal e artigo 4º do DL nº 48/95 de 15/3, na pena de 4 (quatro) anos de prisão por cada um deles;
Em cúmulo, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
O arguido BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão e pela prática de 3 (três) crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao disposto no artigo 204º, nº 2, alínea f), todos do Código Penal e artigo 4º do DL nº 48/95, de 15/3, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles.
Em cúmulo, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Inconformados, os arguidos interpuseram em conjunto recurso, requerendo que as alegações fossem produzidas por escrito e apresentando a motivação de fls. 1037 a 1053, que remataram com as seguintes conclusões (em transcrição):
1. Do enquadramento jurídico dos factos dados como provados: O Tribunal a quo qualificou juridicamente o crime de roubo com utilização de seringa como previsto e punido pelo art. 210° nºs 1 e 2 alínea b) do C. P., com referência ao art. 204°, n° 2, al. f) do mesmo diploma legal.
2. Considera que a seringa se insere no conceito de arma definido no art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
3. Fundamenta a sua posição com a afirmação de que "podem ser utilizadas especificamente para agredir".
4. Não atribuiu na sua fundamentação qualquer relevância à seringa estar ou não contaminada para ser considerada uma arma em termos penais, tendo por suficiente a utilização que lhe foi dada pelos recorrentes.
5. Discorda-se desta posição do tribunal a quo.
6. Na verdade, o conceito de arma deverá abranger, apenas, os instrumentos que são ou podem ser utilizados como meios eficazes de agressão, ou seja, aqueles que servem ou podem servir para ofender fisicamente uma pessoa, de forma significativa ou não insignificante.
7. Para que uma seringa possa ser qualificada de arma com relevância penal, terá necessariamente que estar infectada, pois só assim ao transmitir uma doença, ofende fisicamente uma pessoa de forma significativa ao contrário do que acontece com uma picada de uma seringa inócua.
8. No douto Acórdão não consta da matéria dada como provada, como era a seringa e as suas características, que a seringa estivesse infectada, que os recorrentes tivessem dito aos ofendidos que eram seropositivos ou mesmo toxicodependentes, nem que estivessem infectados com o vírus da SIDA.
9. Com uma seringa não infectada e com a utilização que dela foi feita pelos recorrentes, não estamos perante uma arma em termos penais que possa configurar o crime de roubo qualificado previsto e punido pelos art. 210° n.º 2 al. b), com referência ao art. 204°, n.º 2 al. f), ambos do C. P.
10. Já num crime de roubo simples, a seringa funciona como um instrumento apto a anular qualquer resistência da vítima.
11. O douto acórdão ao condenar o recorrente pela prática de crime de roubo previsto e punido pelo art. 210° nºs 1 e 2 alínea b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f), ambos do C. P., violou estes mesmos preceitos, bem como o art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
12. O Tribunal a quo classificou a seringa como sendo uma arma em termos penais, porque fez uma interpretação ampla do conceito de arma ínsito no art. 4° do Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março e consequentemente considerou que a actuação dos recorrentes preenchia os elementos constitutivos do crime de roubo qualificado.
13. Pelo contrário, deverá ser feita uma interpretação restrita do conceito de arma ínsito no art. 4° do Dec-Lei 48/95, de 15 de Março, nos termos do acima alegado no artigo 6 que se dá aqui como integralmente reproduzido pelo que a conduta dos recorrentes integra o elemento típico de roubo simples, previsto e punido pelo art. 210° n.º 1 do Código Penal.
14. A utilização de uma seringa é um facto atípico para efeito da qualificativa do n° 2 al. b) do art. 210° do C.P., com referência à al. f) do nº2 do art. 204° do mesmo diploma.
15. Conclui-se esta parte considerando que o douto acórdão deverá ser revogado e/ ou modificado no que respeita à qualificação jurídica efectuada (factos descritos no douto acórdão como sendo de 2 na situação II., 2 na situação VI., 2 na situação VII., 1 na situação VIII., 1 na situação IX e 1 na situação X, no que se refere ao Arguido AA e de 1 na situação VIII., 1 na situação IX, no concernente ao Arguido BB) devendo a conduta dos recorrentes, nestes casos, não ser, como o foi, integrada no crime de roubo qualificado previsto e punido pelo art. 210° n.º 2 al. b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f) ambos do C. P., independentemente da desqualificação operada nos casos de diminuto valor da subtracção, conforme o preceituado nos art. 204° n.º 4 e 202° al. c) ambos do C. P., em que tal conduta deverá consubstanciar apenas um crime de roubo simples previsto e punido pelo art. 210° n.º 1 do C. P.
16. Da medida concreta da pena: o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, determinou de forma desajustada as medidas concretas das penas correspondentes aos crimes, marcando-as por uma nota de severidade que as tornou excessivas (10 (dez) anos de prisão para AA e 7 (sete) anos de prisão, para BB).
17. O critério escolhido para a aplicação de penas diferenciadas aos crimes de roubo teve por base o diverso grau de gravidade de cada um deles, medida pela existência ou não de arma.
18. Com o entendimento que seguimos a seringa, nas circunstâncias em que foi utilizada pelos recorrentes, não integra o conceito penal de arma e, consequentemente, nos casos em que surge, o crime tem sempre de ser considerado de roubo simples, previsto e punido pelo art. 210° n.º 1, equiparando-se ao crime de roubo sem utilização de arma, tendo necessariamente de assumir um menor grau de gravidade relativamente ao crime de roubo em que aquela seja utilizada.
19. O Tribunal a quo também não ponderou de forma criteriosa quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção (geral, ligada à defesa da sociedade e à contenção da criminalidade e especial positiva, ligada à reintegração social do agente) - cf. art. 40° nºs 1 e 2 do C. P. - bem como as demais exigências do art. 71 ° do C. P. na determinação concreta das penas fixadas ao recorrente.
20. Isto Porque:
- Ao ter sobrevalorizado a necessidade de prevenção geral, não teve a percepção de que, com a aplicação de penas parcelares mais baixas, estariam asseguradas as expectativas da sociedade e, consequentemente, realizadas as finalidades de punição, de forma adequada e suficiente;
- Ao ter imputado aos recorrentes um grau de culpa elevado, não teve em conta as circunstâncias que necessariamente deveriam ter mitigado a sua culpa, como a sua dependência do consumo de estupefacientes à época dos factos e a sua modesta situação económica, factores que num estado de carência, são aptos a diminuir e enfraquecer a culpa e a capacidade de determinação do agente.
21. Por outro lado, considera-se que a aferição do grau de ilicitude dos factos terá de efectuar-se em função dos meios utilizados pelo agente e do valor diminuto das quantias subtraídas em conjunta, ao contrário do que fez o Tribunal a quo.
22. Desta conjugação resulta que o grau de ilicitude dos factos terá de ser considerado médio, e não elevado, se tivermos em conta que mesmo considerando o grau de ilicitude elevado em função dos meios, também terá necessariamente de considerar-se o grau de ilicitude realizado em função do valor das quantias subtraídas.
23. O douto acórdão deveria, pois, ter ponderado favoravelmente, e não o fez, o modo de execução dos factos (o qual pode considerar-se vulgar no âmbito em que ocorreu) e as suas consequências (os ofendidos não sofreram qualquer consequência quer na sua saúde, quer na sua integridade física).
24. A defesa entende, também, que a pena concretamente aplicada - 4 anos de prisão por cada roubo qualificado e 2 anos de prisão por cada roubo simples, no que se refere ao arguido AA e 4 anos e 6 meses de prisão por cada roubo qualificado e 2 anos e 3 meses de prisão por cada roubo simples, no que se refere ao Arguido BB - é excessiva e ultrapassa em larga medida a culpa dos arguidos, seu fundamento e limite, pelo que terá o Tribunal a quo " violado o disposto no art. 71.° do C. P.
25. Por conseguinte, o Tribunal a quo aplicou uma pena única, em cúmulo jurídico, de 10 (dez) anos de prisão para AA e 7 (sete) anos de prisão, para BB, que se considera igualmente excessiva e, portanto, desadequada.
26. Mais uma vez o Tribunal a quo não teve em conta o fim de prevenção especial das penas, dificultando a reinserção social do recorrente, pois as penas, quando excessivas, deixam de realizar os seus fins.
27. O douto acórdão ao condenar os recorrentes em penas parcelares excessivas e consequentemente desadequadas, bem como em penas únicas igualmente excessivas e desadequadas, violou:
- o art. 210° nºs 1 e 2 al. b) com referência ao art. 204° n.º 2 al. f), ambos do C. P. e o art. 4° do Dec-Lei 48/95, de 15 de Março (porque considerou e valorou a seringa como arma em sentido penal com as consequências legais daí decorrentes e já anteriormente analisadas);
- o art. 71 ° do C. P., dado que não foram ponderadas de forma criteriosa: o grau de culpa do agente (uma vez que não foi valorada a circunstância das dependências do consumo de estupefacientes e as parcas condições económicas dos arguidos como mitigadora da culpa); as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, (sobrevalorizando a primeira, quando o mesmo fim seria assegurado com uma medida de pena menos severa e desconsiderando a segunda); as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuseram contra ou a favor dos agentes, principalmente quanto a estes, o grau de ilicitude médio (conjugando diversos factores, como os meios utilizados e o fim obtido) e a pouca gravidade das consequências para os ofendidos. Pelo que o Tribunal a quo não pôs em prática as atenuantes gerais que verificou, em prejuízo de finalidades de tratamento e reinserção.
28. Conclui-se esta parte, considerando que o douto acórdão deverá ser revogado e/ ou modificado no que respeita às medidas parcelares das penas aplicadas e a pena única, uma vez que as mesmas são excessivas e desajustadas.
29. Violados se revelam, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
30. Nesta senda, podem V. Exas. Exmos. Juízes Conselheiros conhecer dos vícios ora invocados, ex vi art. 426° n.º 1 do C. P. P., procedendo ao reexame da matéria de direito e, em consequência, diminuir consideravelmente a pena concretamente aplicada aos arguidos, possibilitando-lhes tratamento mais favorável na sua dignidade humana.
31. Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, condenando-se os recorrentes em pena inferior.

O Mº Pº no Tribunal recorrido apresentou a resposta de fls. 1060 a 1077.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o visto, pronunciando-se no sentido da produção de alegações escritas, por se continuar a aplicar no caso o regime previsto no CPP antes da revisão, e ainda relativamente à situação processual dos arguidos, nomeadamente, quanto ao termo do prazo de duração máxima de prisão preventiva.
Tendo os recorrentes requerido a produção de alegações escritas, foi fixado o respectivo prazo.
O Mº Pº neste Supremo Tribunal apresentou as alegações escritas de fls.1095 a 1097, pronunciando-se pela desqualificação dos roubos em causa (em que foi exibida seringa) com as naturais consequências na medida das penas parcelares respectivas e, a final, na pena única, em suma, pela procedência do recurso.
Os arguidos apresentaram as alegações de fls. 1098 a 1104, mantendo a posição inicial, ou seja, defendendo a desqualificação dos roubos cometidos com exibição de seringa, bem como o carácter excessivo e desajustado das penas, requerendo, a final, “diminuição considerável da pena concretamente aplicada aos arguidos”.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar, tornando pública a decisão.

O presente recurso vem interposto de acórdão final de tribunal colectivo, impugnando tão só o decidido relativamente a qualificação jurídica de algumas das condutas praticadas pelos recorrentes e dosimetria das penas, visando, pois, apenas o reexame da matéria de direito.
Como decorre do artigo 432º, alínea d), do CPP e da explicitação constante do acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007, lavrado no processo nº 2792/06-5ª (Acórdão 8/2007), in DR, I Série, de 04-06-2007, é este o Tribunal competente para o recurso.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, em que resume as razões do pedido, que se define o âmbito do recurso.

Questões a resolver

1ª – A exibição de seringa no cometimento de roubo pode ser considerada como arma, nos termos da definição legal fornecida pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, para efeitos de integração da circunstância prevista no artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal “trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta”, substanciando assim os requisitos “violência contra uma pessoa”, ou “ ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir”, referidos no nº 1 do artigo 210º, e assim qualificar o roubo, nos termos da remissão contida no artigo 210º, nº 2, alínea b), igualmente do Código Penal?

2ª - Medida da pena – Excesso das penas aplicadas? Possibilidade de redução?

Conhecendo.

Vejamos o que foi dado como provado no Tribunal recorrido.

Factos provados

Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, enunciada em transcrição integral, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura atenta do texto da decisão recorrida, por si só considerado, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não emerge, nem tão pouco se vislumbra, a ocorrência de qualquer vício ou nulidade de conhecimento oficioso (veja-se o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPP), mostrando-se o acervo factual adquirido para o processo, suficiente para sustentar a decisão de direito, coerente, sem contradições, perfeitamente compatível, harmonioso, e devidamente fundamentado.

I. NUIPC 668/06.4PSLSB
1 - No dia 27 de Abril de 2006, pelas 11H30, no Jardim do Campo Grande, em Lisboa, CV e PE encontravam-se a estudar naquele local, altura em que foram abordadas por RG e AA.
2 - Nessa sequência o arguido RG, em cumprimento de plano previamente delineado e que tinha por fim a subtracção de bens pessoais, abordou-as, dizendo-lhes que tinha uma seringa, a qual não mostrou, exigindo-lhes que entregassem os seus pertences, tendo nessa altura o arguido AA agarrado na mão de CV, apertando-a, para que largasse o telemóvel que a mesma empunhava
3 - Assim, RG retirou-lhe o telemóvel de marca NOKIA, modelo NGage, com o cartão n° 96.000000 e com cartão de memória de 258 MB e ainda o respectivo carregador de bateria e um auricular, bem como a carteira que se encontrava em cima da mesa, de onde retirou ainda três senhas da Carris, uma Pen drive de 516 MB e €15,00 (quinze euros) em dinheiro, tudo no valor de cerca de € 200,00 (duzentos euros).
4 - Na posse de tais objectos o arguido AA e seu acompanhante abandonaram o local fazendo-os coisas suas e dando-lhes destino não apurado, nada tendo subtraído a PE pois esta afirmou nada ter em seu poder.
II. NUIPC 1278/06.1 PSLSB
5 - No dia 22 de Setembro de 2006, pelas 22H00, no Jardim do Campo Grande, em Lisboa, CA e DX que por ali passavam foram abordados por RG e AA, os quais chegaram em duas bicicletas.
6 - Assim em cumprimento de desígnio previamente estabelecido, RG sentou-se junto à ofendida CA, apontando-lhe uma seringa ficando o arguido AA de pé, de frente para o ofendido DX, dizendo “FICA QUIETINHO, SOSSEGADINHO… NÃO TE LEVANTES DO BANCO…”.
7 - O ofendido DX vendo que a ofendida CA tinha uma seringa apontada, disse ao arguido AA, que estava disposto a entregar todos os bens, sendo de imediato revistado por AA, que lhe retirou o telemóvel no valor de € 100,00 (cem euros) e € 20,00 (vinte Euros) em dinheiro do BCE, tudo no valor de € 120,00 (cento e vinte euros).
8 - Ainda nesta situação RG retirou a mala da ofendida CA e do seu interior retirou-lhe um telemóvel de marca MOTOROLA, avaliado em €100,00 (cem euros), dois leitores de MP3, no valor total de €360, 00 (trezentos e sessenta euros) e cerca de € 20,00 (vinte euros) em dinheiro do BCE, tudo no valor de em € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
9 - Objectos que os arguidos colocaram na sua disponibilidade, abandonando o local e dando-lhes destino não apurado.
III. NUIPC 1007/06.0PSLSB
10 - No dia 23 de Julho de 2006, pelas 18H30, no Jardim do Campo Grande, em Lisboa, os ofendidos MP e PF, estavam sentados num banco do jardim e foram abordados por RG e AA.
11 - Nessa ocasião RG sentou junto ao ofendido PF, apontando-lhe uma faca, e o arguido AA sentou-se junto à ofendida MP, também lhe apontando uma faca, ficando outro indivíduo, cuja identidade não se apurou, em pé.
12 - Para concretização do plano RG disse ao ofendido PF, que “SÓ QUERO O DINHEIRO E SE FIZEREM ALGO ESPETO-TE E FICAS CONTAMINADO”, ao mesmo tempo que apontava uma navalha à zona abdominal da ofendida MP.
13 - Como os ofendidos não possuíam dinheiro, o arguido AA, revistou a mala da ofendida MP, subtraindo um telemóvel avaliado em € 60,00 (sessenta euros) e um cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos, tendo este sido devolvido.
14 - Assim os arguidos vieram ainda a retirar da carteira do ofendido um cartão de crédito do Banco Espírito Santo e um cartão débito da Caixa Geral de Depósitos, tendo depois devolvido a carteira.
15 - O arguido AA retirou ainda do bolso dos calções do ofendido PF um telemóvel no valor de € 99,00 (noventa e nove euros).
16 - Os arguidos ainda obrigaram os ofendidos a fornecerem os PIN dos cartões Multibanco; contudo e apesar dos ofendidos terem fornecido os códigos verdadeiros, não foram registados quaisquer movimentos nas contas, em virtude de não terem qualquer quantia monetária nas respectivas contas bancárias, tendo os cartões sido devolvidos.
17 - Na posse dos referidos objectos colocou-se o arguido em fuga.
IV. NUIPC 794/06.4 PTLSB
18 - No dia 01 de Maio de 2006, pelas 15H15, na Rua ...., em Telheiras - Lisboa, AD circulava apeada com o seu esposo, ...., de 77 anos, tendo sido abordada por detrás por AA.
19 - Assim, aquele arguido, em corrida, passou por ela e, com um puxão, subtraiu um colar em ouro, de cor amarela, trabalhado e com um adorno, no valor de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros), sendo cedo que nessa altura por ali passavam VF e BS, que logo a auxiliaram a ofendida, não evitando que a mesma sofresse lesões inerentes ao impacto físico da acção do arguido.
20 - Na posse do referido objecto o arguido colocou-se em fuga dando-lhe destino não concretamente apurado.
V. NUIPC 446/06.0 PVLSBA
21 - No dia 23 de Julho de 2006, pelas 19H45, no Jardim do Parque Eduardo VII, junto ao Pavilhão Carlos Lopes, MN foi abordado por RG, AA e por um terceiro individuo cuja identidade não se apurou.
22 - Na altura aquele ofendido estava sentado no banco do jardim e o arguido AA sentou-se do lado direito do mesmo, tendo-lhe pedido um cigarro, ao que o mesmo acedeu; de seguida o arguido PF questionou-o se morava ali próximo, ao que este respondeu que não.
23 - Depois RG sentou-se ao lado esquerdo do ofendido, tendo também chegado um terceiro indivíduo que ficou de pé, de frente para o ofendido MN; altura em que um dos indivíduos, empunhando uma navalha, a apontou ao ofendido e a encostou ao corpo, pedindo-lhe dinheiro, ao que este disse, que não tinha, pelo que o arguido AA o começou a revistar, acabando por lhe tirar 10 euros, um telemóvel Motorola M10 com o valor entre 100 e 150 euros e dois cartões bancários.
24 - Perante e exigência de entrega do código do cartão Multibanco o ofendido deu os códigos errados, pelo que indivíduo não identificado na posse dos cartões começou a subir a rua na direcção do Pavilhão Carlos Lopes, sendo seguido por AA, ficando no local da abordagem outro, que lhe disse “É BOM QUE OS CÓDIGOS DOS CARTÕES FUNCIONEM…“.
25 - Passados cerca de dois minutos RG abandonou o local, tendo dito ao ofendido para não sair do local e ficando o arguido e seus companheiros na posse dos referidos cartões a que deram destino não apurado.
VI. NUIPC 485/06.1 PVLSB
26 - No dia 14 de Agosto de 2006, pelas 19H40, no Jardim Amália Rodrigues (Parque Eduardo VII) em Lisboa, os ofendidos NFO e MNN estavam sentados na relva quando RG e AA, se dirigiram aos mesmos pedindo um cigarro.
27 - Na ocasião RG colocou-se de cócoras à frente do ofendido Nelson, tendo retirado uma seringa do bolso, dizendo que não a queria utilizar, sentou-se de seguida ao seu lado e retirou o telemóvel de marca NOKIA, no valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), que aquele tinha na mão.
28 - Após, disse ao mesmo ofendido que entregasse o seu relógio (marca SWATCH, modelo Scuba), no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), tudo no valor 525€ (quinhentos e vinte e cinco euros), ao que o mesmo acedeu.
29 - Ainda sob a ameaça do referido objecto o arguido AA, retirou a carteira da ofendida MNN e do seu interior retirou € 3,00 (três euros) em moedas e exigiu-lhe o telemóvel de marca MOTOROLA, no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) o que ela entregou.
30 - Na posse dos objectos abandonou o arguido o local, integrando-os no seu património.
VII. NUIPC 1205/01.6 SFLSB
31 - No dia 29 de Agosto de 2006, pelas 20H00, nas Docas de Santo Amaro, em Lisboa, os ofendidos DFMC e MPAA foram abordados por RG e AA.
32 - Na altura RG encontrava-se munido de uma seringa, que exibiu; ao abordá-los pedindo uns trocos e mantendo a seringa apontada à ofendida MPAP, disse “DEIXEM-SE DE MERDAS E PASSEM OS TELEMÓVEIS…” pelo que, em acto contínuo, revistou a ofendida MPAP e retirou de uma bolsa que trazia à cintura dois telemóveis – um de cada um dos ofendidos – no valor total de € 400,00 (quatrocentos euros).
33 - Na sequência o arguido AA retirou as pulseiras do ofendido .., no valor cada uma de € 150,00 (cento e cinquenta euros) tudo valor de € 300,00 (trezentos euros).
34 - Na posse dos objectos colocaram-se em fuga dando destino não apurados aos objectos.
VIII. NUIPC 592/08.0 PVLSB
35 - No dia 06 de Outubro de 2006, pelas 18H00, no Parque Eduardo VII, junto ao Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, os ofendidos JV e SPAM foram abordados pelos arguidos RG, AA e BB.
36 - Na altura os ofendidos encontravam-se sentados num banco, tendo sido abordados por RG, que pediu um cigarro, ficando de cócoras, altura em que o arguido AA se sentou ao lado do ofendido JV, mantendo-se o arguido BB de pé, nas costas do banco.
37 - De seguida RG pediu uma moeda e logo após o arguido AA começou a revistar o interior da mala da ofendida Soraia, tendo retirado € 3,00 (três euros) em moedas, um telemóvel de marca SIEMENS, no valor de € 90 (noventa euros), outro telemóvel de marca NOKIA, com o valor de € 100,00 (cem euros), bem como retirou ainda um leitor MP3 com o valor de € 50,00 (cinquenta euros).
38 - Entretanto o arguido BB tentou retirar o relógio ao ofendido JV pelo que este reagiu, tendo-lhe logo sido apontada por RG uma seringa, pelo que o ofendido JV ficou imóvel, sem que, porém, os arguidos tivessem retirado o relógio.
39 - Nessa altura o ofendido JV foi revistado pelos arguidos, sendo que lhe encontraram no seu bolso, um telemóvel de marca SHARP, no valor de € 80,00 (oitenta euros), de que se apossaram.
40 - O bem subtraído ao ofendido JV valia € 80,00 (cem euros) e os subtraídos à ofendida Soraia valiam € 243,00 (duzentos e quarenta e três euros).
IX. NUIPC 1574/06.8 SPTLSB
41 - No dia 07 de Outubro de 2006, pelas 18H05, no Jardim do Campo Grande, em Lisboa, os ofendidos PG e FAJT foram abordados por RG, AA e BB.
42 - Os ofendidos encontravam-se sentados num banco, tendo sido inicialmente abordados por RG que lhes pediu dinheiro, mas aqueles nada deram.
43 - Descontente RG reparou que no bolso do ofendido PF estava um telemóvel e retirou-lhe o aparelho no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) e € 8,00 (oito euros) em dinheiro.
44 - Perguntando de seguida à ofendidaFG se tinha valores, veio o arguido António a aperceber-se de que a ofendida tinha um telemóvel, tendo feito notar esse facto; nessa altura RG exibiu uma seringa, com a agulha desprotegida, e apontou-a à zona da coxa do PF, ordenando-lhe que acalmasse a ofendidaFG.
45 - Face à ameaça RG retirou à ofendidaFG o telemóvel no valor de € 220,00 (duzentos e vinte euros) e € 12,00 (doze euros) em dinheiro, entregando-os ao arguido AA, tendo o mesmo apontado a navalha à ofendidaFG por razões relacionadas com o cartão do telemóvel.
46 - RG entregou ainda o cartão GSM à ofendidaFG e ameaça os ofendidos para que não os seguissem, tendo estes encetados fuga na direcção do Metro do Campo Grande na posse dos objectos.
X. NUIPC 519/06.0 PVLSB
47 - No dia 31 de Agosto de 2006, pelas 14H50, no Jardim Amália Rodrigues (Parque Eduardo VII), em Lisboa, FG e DS estavam sentados num banco quando foram abordadas por RG e AA.
48 - RG abordou-os, pedindo um cigarro, o que o ofendido DX entregou. De seguida, RG perguntou-lhe pelas horas, altura em que o ofendido DX tirou o telemóvel do bolso para visualizar as horas, pelo que RG, pretendendo ver o telemóvel, e como o ofendido DX não lho entregava, exibiu uma seringa dizendo que se entregasse o telemóvel nada lhe aconteceria.
49 - Por isso, o ofendido DX entregou o seu telemóvel de marca NOKIA, modelo 6110, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), € 15,00 (quinze euros) em dinheiro e um casaco que trazia vestido, marca NIKE, no valor de €45,00 (quarenta e cinco euros), tudo no valor de 170 € (cento e setenta euros).
50 - Nesta sequência o arguido AA retirou ainda o telemóvel da ofendida FG de marca Alcatel no valor de € 40,00 (cinquenta euros) e cerca de 2 a 3 € (dois a três euros), apontando para o efeito uma navalha.
51 - Na posse dos referidos objectos AA e RG colocaram-se em fuga.
52 - Todos os arguidos agiram como queriam, conhecendo todos os factos acima descritos, com intenção de fazer seus os objectos pertencentes aos ofendidos.
53 - AA já foi condenado pela prática em 22 de Abril de 2001 de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos e 3 meses de prisão e pela prática de um crime de resistência e coacção na pena de 3 meses de prisão, por acórdão de 20 de Novembro de 2001; em cúmulo foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão. Esta pena foi declarada extinta no dia 7 de Maio de 2006.
54 - O arguido AA cresceu rodeado de péssimas condições sócio-económicas associadas a um elevado nível de marginalidade.
55 - Após a frequência da escolaridade, que decorreu irregularmente e sem resultados, após ter atingido o 4.º ano de escolaridade, por volta dos 15 anos de idade, AA foi encaminhado para uma ocupação laboral como aprendiz de pintor da construção civil, profissão com a qual se familiarizou.
56 - Desde essa data iniciou o processo aditivo sobre o qual a sua família não conseguiu exercer qualquer controlo, não revelando vontade própria na adesão a qualquer tratamento.
57 - AA estava integrado no agregado familiar constituído pela sua mãe, padrasto, duas irmãs, cunhado e sobrinhos, caracterizado pela coesão.
58 - Anteriormente o AA manteve hábitos de trabalho e já constituiu um relacionamento afectivo, de que resultou o nascimento de um filho, actualmente com 3 anos de idade, que está aos cuidados da progenitora.
59 - AA após um tratamento voltou a retomar os consumos de heroína, situação que o levou a trabalhar somente como guarda de obras no período nocturno, de forma irregular.
60 - No estabelecimento prisional é visitado regularmente por toda a sua família.
61 - O arguido BB cresceu no seio de um agregado familiar com dificuldades económicas, tendo o seu pai falecido aos seis meses de vida.
62 - BB negligenciou a sua frequência escolar, tendo desistido quando frequentava o 9.º ano de escolaridade, altura em que iniciou o seu consumo de haxixe.
63 - Apesar de ter um filho aos 16 anos de idade, BB não assumiu o processo educativo do filho.
64 - Este arguido nunca teve estabilidade de desempenho laboral.
65 - Na data da sua detenção BB vivia com a sua mãe de quem dependia economicamente, pese embora a mesma apenas aufira um salário como empregada doméstica.
66 - Este arguido não demonstra ainda uma vontade clara para efectuar um tratamento à sua toxicodependência, tendo fraca consciência da dimensão dessa dependência e das suas consequências ao nível sócio - laboral.
67 - O arguido BB já foi condenado:
- pela prática em 30 de Julho de 1998 de um crime de um crime de roubo na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, por acórdão de 2 de Maio de 2000;
- pela prática de um crime de roubo por acórdão de 20 de Outubro de 2000 na pena de 20 meses de prisão e, em cúmulo com a anterior pena, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão (efectiva);
- pela prática em 24 de Dezembro de 1999 de um crime de tentativa de roubo na pena de 1 ano de prisão, por acórdão de 25 de Junho de 2002; em cúmulo com as anteriores penas foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão; em cúmulo com as penas anteriores foi condenado na pena única de 3 anos de prisão. O arguido cumpriu esta pena até ao seu final, em 6 de Abril de 2004.
- pela prática em 25 de Abril de 2005 de um crime de tráfico de menor gravidade na pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, por acórdão de 8 de Junho de 2006.

Apreciando as questões suscitadas em recurso.

1ª Questão

Nas conclusões 1ª a 15ª os recorrentes colocam a questão da (des) qualificação de roubos por si cometidos por força de utilização de seringa, defendendo dever a sua conduta (nos casos em que foram condenados por roubo qualificado em função da utilização de tal objecto) ser integrada, não no crime de roubo qualificado, p. p. pelo artigo 210º, nº 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), ambos do Código Penal, mas consubstanciar apenas um crime de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, do CP, sendo o arguido AA no que respeita às situações descritas nos factos provados referenciados sob os pontos II (em duas situações), VI (em duas situações), VII (em duas situações), VIII (um caso), IX (duas situações) e X (um caso) e o arguido BB nas situações em que interveio – pontos de facto versados em VIII (um caso) e IX (duas situações).

O que está em causa nas situações descritas e ora objecto de impugnação por parte dos recorrentes, é saber se, com a exibição de uma seringa perante uma pessoa vítima de assalto, aquela pode integrar o conceito penal de arma, de forma a que um roubo cometido em tais circunstâncias, possa ser qualificado, em função da utilização de tal objecto ou instrumento.
O acórdão recorrido decidiu pela afirmativa em dez casos, no que respeita à intervenção do recorrente AA, e em três situações em que participou o recorrente BB, sendo sobre esses que terá de incidir a presente análise.

Vejamos o que consta do acórdão recorrido.

A dado passo da fundamentação (fls. 16 do acórdão, in fine) consta: “Tais subtracções foram acompanhadas de ameaça ou ordem de entrega de telemóvel; além disso, tal ameaça a certa altura derivou da referência à utilização de uma arma de fogo, que nenhum dos ofendidos viu…”.
Esta referência a utilização de uma arma de fogo só poderá ser atribuído a mero lapso de escrita, pois que não surge vez alguma mínima referência a tal instrumento em nenhum dos episódios constantes da narrativa dos factos provados, sendo de dar a mesma como não escrita.
E no que respeita à qualificação de condutas por força do requisito “transporte, no momento do crime, de arma aparente ou oculta”, consta na decisão recorrida como seu suporte e justificação, a fls. 17, o seguinte trecho “…é patente que as seringas e navalhas utilizadas pelos arguidos e mencionadas nos factos provados devem ser qualificadas de arma, pois podem ser utilizadas especificamente para agredir”, finalizando-se de forma algo discrepante do seguinte modo: “Por isso, a actuação dos arguidos e seu acompanhante preencheu na íntegra o tipo objectivo do art. 210º, nº 1 e nº 2, b), com referência ao disposto no art. 204º, nº 2, f), todos do Código Penal, nas situações em que foram utilizadas navalhas ou facas”.
Pese embora esta afirmação final em que se não incluem as seringas, não há dúvida de que teve lugar a qualificação pela exibição da seringa, atendendo ao referido no parágrafo anterior, bem como ao número global de crimes qualificados referidos a final, pois que cometidos com facas ou navalhas apenas o foram os roubos narrados nas situações III (2 casos), V (1 caso) e X (1 caso), sendo de desqualificar o roubo cometido com tais instrumentos, tendo em atenção o valor diminuto dos bens apropriados, num dos casos da situação III (telemóvel de 60 €, pertencente a MP Pinheiro) e no caso da situação X, em que é ofendida FG, a quem foram subtraídos um telemóvel de 40 € e cerca de 2 a 3 €.
Anote-se que na lógica do acórdão condenatório, num dos casos da situação VIII, em que é ofendido JV e em que operaria a qualificação face à utilização de seringa, a mesma foi desconsiderada, nos termos dos artigos 210º, nº 2, alínea b), 204º, nº 4 e 202º, al. c) do CP, atento o valor do telemóvel apropriado - 80 €.

Para abordar a questão em equação há que convocar o conjunto normativo do Código Penal aplicável ao caso, ou seja, na redacção que lhe foi dada na 3ª alteração pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, intocado nesta parte pela reforma da Lei nº 59/07, de 4 de Setembro.
Artigo 210º
Nº 1 - “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
Nº 2 – A pena é a de prisão de três a quinze anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nº 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo”.

Artigo 204º
Nº 2 - “Quem furtar coisa móvel alheia:
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; ou”
Nº 4 – “Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor”.

Artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15/03
“Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
Este preceito mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor em 22 de Agosto de 2006 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os 45 tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.

Na sistematização do Código Penal o roubo enquadra-se na categoria dos crimes contra o património e mais especificamente dos crimes contra a propriedade.
Em função do fim do agente o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo no entanto outros contornos para além desta vertente.
Como refere Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, Tomo II, p. 160, a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime - fim do roubo.
O crime de roubo é um crime complexo (porque segundo Luís Osório contem um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial - direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia – acórdãos do STJ, de 30-11-1983, BMJ 331, 345, de 15-11-1989, BMJ 391, 239, de 04-04-1991, BMJ 406, 335, de 04-02-1993, BMJ 424, 369, de 22-04-1993, BMJ 426, 250, de 15-02-1995 (dois), CJSTJ 1995, Tomo1, p. 205 e 216, de 18-05-2006, CJSTJ 2006, Tomo 2, p.185, de 24-05-2006, processo nº 1049/06 - 3ª, de 25-10-2006, processo 3042/06 - 3ª, de 24-01-2007, processo nº 4066/06 -3ª.
O direito à vida – bem supremo do homem - à liberdade - de decisão, de acção de movimentos - com os reflexos direitos à saúde, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego) e à integridade física, referem-se a bens eminentemente pessoais, que merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, no que ao caso importa, através do crime de roubo, merecem tutela a nível constitucional – artigos 24º, 25º, 27º, 64º da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade - artigo 70º do Código Civil.
Sujeito passivo do crime pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo, o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem, a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física - Conceição Ferreira da Cunha, ibidem, p. 163 e 179.

A propósito da agravante em causa, a mesma já constava no n.º 1º do artigo 426º do Código Penal de 1852, que transitou para a Nova Reforma Penal e Código Penal de 1886.
Este preceito apenas enumerava algumas circunstâncias agravantes do crime de furto que determinavam as incriminações qualificativas dos seguintes artigos 427º e 428º.
Dispunha o referido artigo 426º: “O furto será punido, nos termos dos artigos seguintes, quando for qualificado, segundo as regras neles estabelecidas, pelo concurso de alguma ou algumas das seguintes circunstâncias:
1ª - Trazendo o criminoso ou algum dos criminosos no momento do crime armas aparentes ou ocultas”.
A circunstância “trazendo armas aparentes ou ocultas”, a par de outras, qualificava igualmente o roubo concorrendo com cárcere privado, violação ou ofensas corporais, previsto no § 1º do artigo 434º, prevendo-se no § 1º do artigo 435º a qualificação no roubo cometido por uma pessoa só, com armas, em lugar ermo.
Comentava Luís Osório, in Notas ao Código Penal Português, IV volume, p. 84/6, que o fundamento desta agravante é a maior dificuldade de defesa contra um indivíduo armado, um maior perigo para as pessoas que podem ser vítimas do emprego da arma e a maior timibilidade que, geralmente, o agente revela, pois, em regra, quem traz arma é para dela se servir.
Comentando a acção expressa pelo gerúndio “trazendo” dizia: basta que o agente traga a arma e não é preciso que dela se use ao contrário do que acontece no caso previsto no final da circunstância 13ª do artigo 34º (Ter sido cometido o crime com … instrumento ou arma cujo porte e uso for proibido).
E quanto a armas esclarecia que tanto se compreendiam as proibidas como as lícitas.
No Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, a qualificação dos crimes de furto e de roubo, estando em causa a presença de armas, passou a ter lugar em contextos e circunstâncias diversas das que tinham face ao Código de 1886.
No furto, manteve-se a anterior previsão. Assim:
Artigo 297º, nº 2, alínea g) - “Trazendo, no momento do crime, armas aparentes ou ocultas”.
No roubo
Artigo 306º
Nº 2 – A prisão será a de 2 a 10 anos se:
a) Qualquer dos agentes utilizar arma …
Nº 3 – A prisão será, porém, de 3 a 12 anos se:
a) Qualquer dos agentes utilizar arma de fogo.
Nos termos do nº 5, a pena de prisão elevar-se-ia para o mínimo de 18 meses e o máximo de 12 anos, quando se verificassem, singular ou cumulativamente, qualquer das circunstâncias que qualificavam o furto, ou seja, o roubo era qualificado igualmente por remissão para a alínea g) do nº 2 do artigo 297º do Código Penal.
A circunstância «trazendo, no momento do crime, armas aparentes ou ocultas» presente no furto e no roubo é retomada com a reforma de 1995, por remissão do art. 210, nº 2.
Daí a justificação da definição de arma no artigo 4º do DL 48/95, de 15-03, como consta da acta nº 29 das reuniões da Comissão de Revisão (Actas 1993, 330), de que resultou o actual artigo 210º, da qual consta “A Comissão manifestou a preferência por uma redacção que consagrasse a recepção do conceito “arma”, sem qualquer caracterização, sem caracterizá-la como de “fogo” e sem o aditamento de “instrumento análogo”, contrariando o que constava do Projecto 1991, contendo como qualificante do roubo, a circunstância de qualquer dos comparticipantes trazer “arma de fogo ou utilizar arma ou instrumento análogo para evitar ou vencer a resistência da vítima”- Comentário, ibid. 189.

A propósito desta qualificativa – porte de arma aparente ou oculta - têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes.
Uma, actualmente e desde há cerca de uma década, apresentando-se como dominante, que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem que revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que “o que está na base da agravação prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E sendo assim é irrelevante para efeitos da existência dessa qualificativa o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira”.
Nesta concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois como se refere no Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 1996, 2º volume, p. 443, “o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota”.
A jurisprudência tem dado por afastada essa qualificação em variados enquadramentos factuais, relativamente a:
Pistolas de alarme, tidas como facto atípico para efeitos de actuar como qualificação, consideradas apenas como requisito bastante para integrar a ameaça de perigo a que se refere o nº 1 do artigo 210º do Código Penal – acórdãos de 06-10-1993, processo 44995, no BMJ 430, 241; de 11-06-1997, processo 392/97, BMJ 468, 105; de 18-03-1998, processo 1461/97-3ª; de 26-03-1998, processo 1283/97-3ª, CJSTJ 1998, Tomo 1, 243, (com dois votos de vencido); de 16-04-1998, processo 1046/98, BMJ 476, 107; de 20-05-1998, processo 261/98-3ª, in CJSTJ 1998, Tomo 2, 201; de 28-05-1998, processo 320/98, BMJ 477,136 (com dois votos de vencido); de 04-06-1998, processo 322/98; de 29-09-1999, processo 494/99-3ª, CJSTJ 1999, Tomo 3, 159 (a exibição de uma pistola, de alarme, de matéria plástica e antimónio, imitando uma verdadeira, como meio de intimidação da vítima, não constitui circunstância suficiente para integrar a agravante prevista na al. f) do nº 2 do art. 204º do CP, mas sim requisito bastante para integrar a ameaça de perigo iminente para vida ou integridade física a que se refere o nº 1 do artigo 210º do referido Código); de 11-10-2001, processo 2055/01-5ª, in CJSTJ 2001, Tomo 3, 190; de 19-11-2003, processo 3272/03-3ª; de 22-02-2006, processo 105/06-3ª; de 09-03-2006, processo 272/06-5ª; de 22-03-2006, processo 105/06-3ª; de 04-05-2006, processo 1187/06-5ª; de 21-03-2007, processo 1943/06-3ª.
Outros casos em que se considera igualmente que o roubo é apenas agravado pela utilização de arma quando o agente emprega algo que possa ser utilizado como instrumento eficaz de agressão:
Réplica de pistola – acórdão de 16-04-1998, in CJSTJ 1998, Tomo 2, 185 e no BMJ 476,107 e de 20-09-2007, processo nº 4544/06 - 5ª;
Pistola de plástico - acórdão de 04-06-1998, processo nº 322/98 - 3ª; de 30-10-2001, processo nº 2151/01 e de 24-11-2005, processo nº 2755/05 - 5ª;
Pistola isqueiro – acórdãos de 11-05-1994, processo 46064; de 18-02-1998, processo nº 34/98 - 3ª;
Simulação de arma enrolada em casaco – acórdão de 22-02-1996, processo nº 48620;
Esferográfica a simular navalha – acórdão de 2-12-1998, processo nº 1175/98-3ª;
Pistola simulada (objecto com configuração de arma de fogo) – acórdão de 17-01-2002, processo nº 3132/01 - 5ª, CJSTJ 2002, Tomo 1, 183, em que se defende que simulacro de arma não é adequado ao constrangimento, e com recensão de vários arestos, versando o tema;
Objecto não definido, pensando a vítima tratar-se de revólver – acórdão de 04-01-1996, in CJSTJ 1996, Tomo 1, 171;
Pistola de calibre 6,35 de características não concretamente apuradas, daqui não se extraindo que estivesse municiada ou sequer em condições de funcionalidade – acórdão de 07-05-2003, processo nº 2566/02-3ª;
Pistola de características não apuradas – acórdão de 08-03-2007, processo nº 4819/06 - 5ª;
Objecto similar a arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada – acórdão de 10-05-2006, processo nº 962/06 - 3ª;
Objectos que aparentem ser armas de fogo ou arma verdadeira – acórdãos de 12-02-2004, CJSTJ 2004, Tomo 1, 200; de 18-05-2006, processo nº 1170/06 -3ª, in CJSTJ 2006, Tomo 2, 186;
Objecto não apurado - acórdão de 09-03-2000, processo nº 1184/99 - 5ª;
Objecto metálico – acórdão de 24-10-2007, processo nº 2698/07 - 3ª.
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Para outra corrente considera-se verificar-se a agravante qualificativa da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, bastando que a arma tenha a virtualidade de o homem médio ou comum pensar justamente que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente.
A qualificativa nesta concepção é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
Nesta linha insere-se o acórdão de 27-06-1996, in CJSTJ 1996, tomo 2, 201 e BMJ 458, 196, citado no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 81, onde se lê: “O propósito da lei, ao fazer a mencionada referência a armas, aparentes ou ocultas, não é o de limitar a sua previsão às armas que se encontrem em condições de efectivo exercício, ou, inclusivamente, sejam ou venham a ser usadas na subtracção, mas sim o de considerar como factor demonstrativo de uma maior antisocialidade do dito agente, e, como tal, de uma maior culpa deste, a circunstância de o mesmo, trazer consigo qualquer objecto que sirva ou possa servir como arma (proibida ou não), mesmo que, na sua actuação concreta, a não utilize, e que, ou que, ela se considere escondida”.
Prossegue: “E arma, para os fins dos referidos artigos (204º -2 - f) e 210º) é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes, um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva utilização, na sua integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função, designadamente por falta de partes componentes que, nas armas de fogo ou suas imitações, sejam susceptíveis de provocar o disparo”.
Dez anos volvidos, no acórdão de 25-10-2006, no processo 3042/06 - 3ª, seguindo o acórdão acabado de citar, refere-se: “Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar na vítima um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa.
A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada”.
Acolhendo esta orientação podem ver-se os seguintes arestos:
Pistola de alarme – acórdãos de 03-07-1997, no processo nº 1390; de 23-10-1997, BMJ 470, 228 e de 19-11-1997, no processo nº 860/97 e no processo nº 963/97;
Pistola que não estava em condições de disparar – supra citado acórdão de 27-06-1996, processo 512/96, CJSTJ 1996, Tomo 2, 201 e BMJ 458, 196;
Isqueiro em forma de pistola – acórdão de 11-05-1994, processo nº 46064;
Pistola de fulminantes – acórdão de 12-10-1995, processo nº 48274;
Pistola cujas características não foram apuradas – acórdão de 26-11-1997, processo nº 927/97, in BMJ 471, 168;
Facas – acórdão de 15-10-1998, in CJSTJ 1998, Tomo 3, 196;
Spray – acórdão de 11-02-1999, processo nº 1321/98;
Arma de pressão de ar - acórdão de 23-02-2005, processo nº 4443/04 - 3ª;
Objecto com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro, retratado nos autos – referido acórdão de 25-10-2006, processo nº 3042/06 - 3ª;
Pistola não municiada encostada à cabeça – acórdão de 10-01-2007, processo 4082/06-3ª, pelo mesmo relator do anterior.

Vejamos a jurisprudência relativamente ao
CASO ESPECÍFICO DE UTILIZAÇÃO DE SERINGA

Pelo que vimos, este Supremo Tribunal debruçou-se sobre esta hipótese nos seguintes casos:
I – No sentido da qualificação
1 – Acórdão de 8 de Fevereiro de 1996, no processo nº 48863, in CJSTJ 1996, Tomo 1, 206.
Em situação de facto em que o arguido em plena rua encosta às costas da ofendida uma seringa já utilizada, declarando-se seropositivo, e no mesmo dia, num parque de estacionamento, abordando outra ofendida, empunhando uma seringa usada, sem protecção, na agulha, que apontou àquela dizendo-lhe igualmente: “Sou seropositivo, dá-me todo o dinheiro que tens”, tendo as seringas sido examinadas.
No caso concreto o primeiro roubo era de desqualificar face ao valor dos bens apropriados. Quanto ao segundo, foi considerado, atenta a declaração do arguido de ser seropositivo, assumir a seringa no caso concreto as características de arma, tendo pleno cabimento no artigo 4º do DL 48/95, pouco importando que estivesse ou não contaminada, bastando o receio e temor que incutiu na ofendida, a qual ficou traumatizada, com o consequente preenchimento do roubo qualificado, nos termos do artigo 306º, nº 1 e 2, alínea a), do Código Penal de 1982.

II – No sentido da configuração como mero roubo simples
A qualificativa não é considerada nos seguintes casos, que se inserem naquela primeira corrente, de perigosidade objectiva, no sentido de que a qualificação de um objecto como arma resulta da sua real e efectiva aptidão como instrumento eficaz de agressão.

1 - Acórdão de 20 de Maio de 1998 – processo nº 370/98, in CJSTJ 1998, Tomo 2, 205 e BMJ 477, 124.
Proferido em situação em que o arguido dirige-se ao balcão de uma retrosaria e face à proprietária, empunhando uma seringa, ameaçou-a, dizendo “abra a caixa!” o que ela fez, retirando o arguido o dinheiro que estava na caixa registadora.
Defende-se no aresto impor-se restringir o conceito de arma, de molde a abranger, apenas, os instrumentos que são ou podem ser utilizados como meios eficazes de agressão, ou seja, aqueles que servem ou podem servir para ofender fisicamente uma pessoa, de forma significativa ou não insignificante.
Só no caso de estar infectada, sendo então instrumento de transmissão de uma doença, é que a seringa pode ser considerada uma arma, qualificando o roubo nos termos do artigo 210º, nº 2, alínea b) do C.Penal.
Uma seringa infectada é uma arma, já não o é uma não infectada ou inócua do ponto de vista sanitário.
Considera-se que não estando provado no caso concreto que a seringa utilizada pelo arguido contra a ofendida, estivesse infectada, desconhecendo-se as suas características específicas, não cabe a mesma no conceito penal de arma.

2 - Acórdão de 8 de Julho de 1998 - processo nº 604/98-3ª, in CJSTJ 1998, Tomo 2, 251. Na situação concreta o arguido abeira-se da ofendida, que transitava a pé, pedindo-lhe dinheiro e face a negativa desta, puxou da manga do casaco que envergava uma seringa descartável, usada, apetrechada com a respectiva agulha, e exibindo-a, disse-lhe: “sou toxicodependente e tenho aqui uma seringa mas não é para lhe fazer mal…” e “ preciso de dinheiro”.
A seringa veio a ser apreendida e examinada.
Seguindo-se o entendimento expresso no anterior acórdão relatado pelo ora 3º Adjunto, sugere-se igualmente uma interpretação restritiva do artigo 4º do DL 48/95, no sentido de que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade: se não se provar que a seringa estava infectada com o vírus da sida, não se pode considerar verificada a agravante qualificativa prevista na alínea b) do nº 2 do art. 210º, concluindo-se: uma seringa, caso não esteja infectada, não representa qualquer perigosidade significativa, sendo insusceptível de causar lesão física minimamente relevante.
Foi considerado, pois, não integrar a conduta do arguido crime qualificado de roubo por não estar provado que a seringa empunhada por aquele estivesse infectada.

3 – Acórdão de 26 de Maio de 1999 - processo nº 544/99, in CJSTJ1999, Tomo 2, 214. Relatado pelo mesmo relator do acórdão de 20-05-1998, no referido processo nº 370/98, estando em causa exibição de seringa contendo sangue dirigida a condutora que, parada em obediência a sinal de stop, vê o arguido entrar pela porta lateral, dizendo-lhe: “dá-me dinheiro”.
Mantendo o entendimento anterior, considera-se o crime por não qualificado por não estar provado que a seringa estivesse infectada, designadamente, porque o estivesse o sangue que continha.
Sublinha-se a ideia de que a qualificação de um objecto como arma não resulta, necessariamente, da circunstância de, quando apontado ou exibido a uma pessoa, ser aparentemente adequado a gerar grave temor pela vida ou integridade física mas, sim, da sua real e efectiva aptidão como instrumento eficaz de agressão.

4 – Acórdão de 28 de Março de 2001 - processo nº 115/01 - 3ª, relatado pelo 3º Adjunto nos recursos nºs 370/98 e 544/99, nos acórdãos de 20-05-1998 e de 26-05-1999 supra citados.
Trata-se de situação em que o arguido se dirige a um distribuidor de pizza, mostrando-lhe uma seringa com agulha, exigindo que lhe entregasse o dinheiro de que era portador.
Não tendo aquele satisfeito o arguido, envolveram-se em luta, e durante esta, o arguido, com a agulha da seringa, picou superficialmente o distribuidor no antebraço esquerdo, tendo-lhe este entregue a importância de que era portador.
Partindo da consideração de que não foi dado como provado que a seringa com agulha estivesse infectada com o vírus da sida, citando o acórdão de 20-05-1998, conclui-se estar-se perante um crime de roubo simples, explicitando-se mais tarde, em sede de apreciação da medida da pena, que o uso de seringa com agulha não pode deixar de provocar pânico no ofendido.

5 – Acórdão de 18 de Janeiro de 2007, no processo nº 4351/06 - 5ª, incidindo sobre situação de facto em que o arguido numa ourivesaria pede à funcionária que lhe mostre as pulseiras em ouro mais caras que tinha e após ter escolhido a mais cara, no valor de € 1.120,00, diz que vai ao Multibanco e sai da loja. Entrando novamente na ourivesaria, o arguido exibindo uma seringa usada, embrulhada em prata, que deixava ver a ponta de uma agulha, apontou-a na direcção da funcionária, e agarrando o embrulho, disse: “ não pies, está caladinha, vou levar a pulseira”.
“Em posse da pulseira, exibindo sempre a seringa, o arguido recuou até à porta, e abandonou a correr a loja, enquanto que a funcionária gritava”.
No relato desta história de vida, consta que o assaltante foi detido por um segurança e por um agente da PSP de folga, que por mero acaso ali se encontrava, e que a pulseira foi recuperada, desconhecendo-se o que aconteceu à seringa.
Foi dado por provado que o arguido usou a seringa com o propósito de intimidar e constranger a vítima, impedindo-a de reagir, o que efectivamente conseguiu.
Seguindo-se igualmente de perto os acórdãos de 20-05-1998 (processo nº 370/98), de 08-07-1998 (processo nº 604/98) e de 28-03-2001 (processo nº 115/01), pondera-se que só no caso de estar de facto infectada, sendo então instrumento de transmissão de uma doença, a seringa possa ser considerada uma arma.
Assume-se a não aceitação da posição assumida por Faria Costa, na anotação ao artigo 204º do Código Penal no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, p. 81, «fundada aliás numa mais que duvidosa “teoria da impressão”», referindo-se à perigosidade intrínseca e objectiva das armas que a lei pune na alínea f) do nº 2 do artigo 204º do C. Penal, adiantando que é essa perigosidade intrínseca e objectiva das armas que a lei pune na referida alínea, e que é essa perigosidade que está ausente numa seringa não infectada.
Este acórdão teve dois votos de vencido, um aceitando a não qualificação do roubo, embora cometido sob a ameaça de uma «seringa usada», mas questionando a consumação do crime. O outro, assumindo que daria provimento ao recurso, porque teria como arma a seringa com agulha apontada à ofendida nas circunstâncias dos autos, “porquanto tenho como seguro que o acto do arguido, ao exibir como ameaça tal objecto, levou implícíta, como em regra acontece em casos destes, a «mensagem» – certa ou errada, pouco importa – de que se tratava de objecto infectado, não fazendo sentido que fosse de outro modo”.
“Residindo a razão de ser da agravação correspondente no potencial de superioridade de ataque e, como contrapartida, numa clara diminuição ou acréscimo de fragilidade da defesa, não se vê, de resto, grande diferença, quanto ao alcance de tais efeitos, entre o uso de tal objecto e uma arma (de fogo ou arma branca), apontada nas mesmas circunstâncias.
Neste contexto, afigura-se-me algo deslocada do alvo a crítica à posição assumida pelo Prof. Faria e Costa, que subscreveria”.

6 - Acórdão de 28 de Março de 2001, CJSTJ 2001, tomo1, 263, tratando-se não já de roubo, mas de crime de violência depois da subtracção, p. p. pelo artigo 211º por referência ao artigo 210º, nº 1 do C. Penal. Em causa situação em que o arguido ao pretender sair de supermercado com bens de que se apoderara, ao ser interpelado por empregada pegou numa seringa, examinada nos autos, que trazia nas calças e empunhou-a na direcção daquela, dizendo-lhe “ou me abres a porta ou espeto-te a seringa”, acabando por ser segurado por F que o deteve até à chegada da PSP.
Nesse acórdão na ponderação do grau de ilicitude, considera-se a ameaça com a seringa como sinal de risco tão diminuto (por não haver qualquer indicação de que a seringa estivesse infectada) que o arguido logo foi segurado por outra senhora que o deteve.
Nas Relações, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 02-05-2001, processo 113/98: a ameaça com uma seringa, que se diz contaminada com o vírus da sida, se não provocou no ofendido um efectivo constrangimento à entrega de dinheiro de que o arguido se pretendeu apoderar, isto é, receio e temor, traumatizantes, não integra o conceito de arma a que se reporta, por remissão para o artigo 204º, nº 1 e 2 do Código Penal, o artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do mesmo diploma.
No acórdão da Relação de Lisboa, de 11-10-2005, processo 8046/2005-5ª, seguindo-se o acórdão do STJ de 20-05-1998, decide-se que, não tendo ficado provado que a seringa utilizada pelo arguido para intimidar as vítimas e às mesmas subtrair os valores que possuíssem, estivesse infectada com o vírus da sida apesar do arguido o afirmar, a mesma não cabe, assim, no conceito legal de arma, sendo o crime praticado de roubo simples.
Em registo algo diferente, o acórdão do STJ, de 15-04-1998, processo 1553/97, em situação em que a exibição de seringa consubstancia o constrangimento integrador já não de roubo, mas de sequestro.
Na situação concreta, após a consumação de roubo com pistola, tendo a ofendida entregue dinheiro e cartão Multibanco, o arguido agarra com força o braço daquela, guarda a pistola e tira do bolso das calças uma seringa e, apontando-a ao pescoço, disse-lhe que a espetaria, caso não o acompanhasse a uma caixa Multibanco, e assim abraçado à ofendida, passando-lhe o braço à volta do pescoço, obrigou-a a percorrer, assim constrangida e intimidada cerca de 20 metros.

Volvendo ao caso concreto.

A propósito de contaminação, a única referência que consta da matéria de facto provada é a constante da narrada na situação III, em ocorrência em que é usada, não uma seringa, mas uma navalha, passando-se a citar:
12º - Para concretização do plano RG disse ao ofendido PF, que “SÓ QUERO O DINHEIRO E SE FIZEREM ALGO ESPETO-TE E FICAS CONTAMINADO”, ao mesmo tempo que apontava uma navalha à zona abdominal da ofendida MP.
No que tange à utilização de seringas, e foram dez os casos em que interveio o recorrente AA, em situação alguma se coloca a questão de estarem efectivamente infectadas.
Como se sabe, será sempre situação de difícil, senão impossível detecção e comprovação, pois na maioria dos casos não são apreendidas e examinadas, o que não surpreende, face ao modo fugaz, instantâneo, proficiente e com elevados ratios de sucesso com que estas operações de subvenção forçada com vista à obtenção de disponibilidade de poder aquisitivo de certos produtos não existentes no mercado aberto e livre são levadas a cabo.
Na verdade, não há anunciação por parte do agressor, ao jeito de “crónica de anunciação de um assalto a perpetrar”, da situação especialmente intimidatória e da objectiva eficácia e idoneidade do meio utilizado, pois que só num juízo de prognose póstuma se poderá asseverar que a seringa exibida estava efectivamente infectada.
É que, ocorrendo esse facto, e sendo em virtude dele produzidas consequências na integridade física e saúde do visado, a questão num tal quadro fáctico não se quedaria pela simples verificação de um crime de roubo qualificado em função do uso de um instrumento de agressão a merecer então o qualificativo de “arma”, mas provavelmente algo mais, concretizado na ofensa, de forma completa, plena, e autónoma do bem jurídico direito de personalidade - direito à vida e integridade física - , ou seja, em hipóteses de tipo agravado pelo resultado, em que se venha a preencher igualmente a alínea a) do nº 2 do artigo 210º, com o preenchimento de dupla qualificativa, ou na pior das hipóteses (para o ofendido), no caso de crime preterintencional, no nº 3 do mesmo artigo.
Neste contexto, cremos ser de introduzir o que refere Faria e Costa no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 79 a 81, em comentário ao artigo 204º, nº 2, alínea f), citado pelo Mº Pº na resposta apresentada neste recurso e cuja posição foi afastada de modo expresso nos citados acórdãos de 18-01-2007, no processo 4351/06 - 5ª e de 20-09-2007, no processo 4544/06 - 5ª.
No comentário ao preceito, começa por afirmar, a pág. 79, que: “O potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente é, ninguém o desconhece, uma realidade indesmentível e indiscutível, o que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar”.
A propósito do critério definidor de arma, versando o caso de seringa com agulha, afirma: “…desde que se faça saber que provém de um seropositivo, é, em nosso entender, também uma arma”. E adianta: “Contudo, o trazer, mas sobretudo o utilizar tal arma, parece não desencadear um furto qualificado mas antes um roubo, porquanto a seringa com agulha só ganha o estatuto de arma se se anunciar que foi anteriormente empregue por alguém seropositivo, logo, a partir desse momento, há uma ameaça e, então, estaremos caídos nos domínios do roubo”.
Referenciando o supra citado acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996, (in BMJ 458, 196 e CJSTJ 1996, tomo 2, 201), diz o mesmo Professor ter mais facilidade em acompanhar aqueles que centram a característica essencial da noção de arma na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou na vida através do seu emprego, o que mais não é do que um afloramento da doutrina da impressão.
Esclarece inclinar-se para tal posição por entender que a qualificação em causa resulta de um acréscimo de fragilidade na defesa. Fragilidade essa que pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou de matar - cfr. p. 81.
Os casos concretos ora em reapreciação têm contornos específicos que conduzem a que sem dificuldade se opte por uma solução de desqualificação das condutas dos recorrentes em que foi utilizada uma seringa.
Não podemos deixar de manifestar algumas reservas relativamente ao tipo de solução que propende a afastar a qualificação do porte de seringa com agulha nos casos em que o assaltante, exibindo uma seringa, contendo vestígios de sangue ou de algo que se lhe assemelhe, anuncia, comunica ao visado, ser seropositivo, independentemente de o ser efectivamente ou não, o que acontece num plano comunicacional, não propriamente de diálogo, mas de interpelação destinada a exigir a entrega de dinheiro ou de outros bens, em que o destinatário da declaração pode ficar com a impressão, justificada, de que a declaração é verdadeira e de que a seringa possa mesmo estar infectada.
Em nenhum dos casos agora apreciados foi apreendida e examinada a seringa, desconhecendo-se quais as suas características, não constando estivesse infectada, que os recorrentes tivessem dito que eram seropositivos ou que estivessem infectados com o vírus da sida, como se expõe na conclusão 8ª, ou como refere o Mº Pº neste Tribunal “a matéria de facto limita-se a descrever a utilização das seringas como forma de potenciar a ameaça sem acrescentar mais nada às suas características que permitisse aquilatar do seu poder destrutivo ou ofensivo”.
Face ao exposto, os recursos procederão nesta parte por não verificação da qualificativa da alínea f), do nº 2, do artigo 204º, do Código Penal, convolando-se os roubos qualificados por força da utilização de seringas para crimes de roubo simples.
Face a esta desqualificação dos crimes de roubo em que foi exibida uma seringa, temos que, a final, os arguidos cometeram os seguintes crimes:
1 - O arguido AA:
1. 1 - Dois crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal e artigo 4º do DL 48/95 de 15/03, na situação descrita em III, em que é ofendido PF, sendo apontada uma faca e retirado um telemóvel no valor de 99 € e na situação narrada em V, em que é ofendido MNe em que era empunhada uma navalha, sendo-lhe retirados 10 € e um telemóvel com valor entre 100 e 150 €;
1. 2 – Quinze crimes de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº1, do Código Penal, correspondendo aos cinco já pré definidos no acórdão recorrido e aos dez que resultaram da requalificação/convolação agora operada por força da desconsideração da seringa como arma, nas situações narradas em I (um caso), em II (dois casos), em III (um caso), em IV (um caso), em VI (dois casos), em VII (dois casos), em VIII (dois casos), em IX (dois casos) e em X (dois casos).
2 – O arguido BB:
2. 1 – Quatro crimes de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, correspondentes às situações descritas nos pontos de facto VIII (dois casos) e IX (dois casos).

2ª Questão - Medida da pena

Os recorrentes nas conclusões 16 a 28 abordam a questão da medida concreta da pena, considerando as penas impostas como excessivas e desajustadas e pedem “a diminuição considerável da pena concretamente aplicada aos arguidos”.
Como é evidente, a desqualificação agora operada das condutas referidas nos dez casos enunciados quanto ao arguido AA e nas três situações em que interveio o arguido BB, terá naturais reflexos na dosimetria penal a considerar.
Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
A 3ª alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o nº 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71º, nº 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; o nº 2 elenca algumas das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no art. 375º, nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
O juiz está vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do artigo 71º do C. Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o artigo 40º).
De acordo com o Professor Figueiredo Dias, nas Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, p. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E termina: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Retomando o caso concreto.
É médio o grau de ilicitude dos factos (elevado, em função dos meios utilizados - navalhas e seringas) e reduzido, atenta a natureza dos bens subtraídos e seus valores.
O modo de execução foi o corrente (ameaça ou ordem de entrega com navalhas e seringas), sem que as vítimas tivessem sofrido agressões e lesões, qualquer consequência na integridade física e saúde.
Os arguidos agiram com dolo directo.
Há que ter em consideração que ambos os arguidos são toxicodependentes, sem percurso encetado, ensaiado e conseguido no sentido de recuperação de tal dependência.
À toxicodependência não é de atribuir no caso em concreto nenhum efeito atenuante ou agravante.
De atender à escalada da criminalidade associada ao consumo de estupefacientes, que tem tornado cada mais prementes as exigências da prevenção geral positiva, designadamente, quanto aos roubos com utilização de navalhas e seringas.
Em alguns casos intervieram três pessoas, sendo ambos os arguidos e ainda RG nas situações VIII e IX, ou o arguido AA, o citado RG e um terceiro não identificado nas situações III e V, e nos restantes, com excepção do roubo por esticão – situação IV – em que o arguido AA actuou sozinho, este foi sempre acompanhado por RG, que foi arguido no processo e que veio a falecer em 20-01-2007, conforme certidão de óbito de fls. 677.
Nestes casos em que os crimes de roubo foram cometidos por duas ou mais pessoas, é óbvio que existe uma maior dificuldade de defesa da posse da coisa por parte do seu detentor, e do lado oposto, uma maior facilidade na comissão do crime e a possibilidade acrescida de um perigo para a pessoa visada.
Na componente patrimonial, há que atentar na natureza dos bens retirados, na sua maioria, telemóveis, para além de um colar em ouro, no roubo por esticão da situação IV, duas pulseiras na situação VII, uma pen na situação I, três leitores MP3, nas situações II e VIII e algum (normalmente pouco, ou mesmo muito pouco) dinheiro, sendo de realçar que o valor mais elevado dos bens apropriados se cifra em 525 €, no caso em que é ofendido Nelson Oliveira (situação descrita no ponto de facto VI), verificando-se casos de valor diminuto nas seguintes ocorrências – 60 €, no caso da situação III com a apropriação do telemóvel de MP Pinheiro, 80 €, referente ao telemóvel de JV na situação VIII e na situação X com o telemóvel de FG, no valor de 40 € e a quem foram retirados mais 2 €.
No que respeita a atenuantes, sobre confissão e arrependimento nada consta no elenco dos factos provados.
A imputação aos arguidos dos vários comportamentos integradores de crimes de roubo teve por base, exclusivamente, os reconhecimentos dos arguidos como seus autores feitos em julgamento pelos visados com as suas actuações.
Como consta da motivação da matéria de facto, in fine, a prova produzida confinou-se ao declarado pelos ofendidos, reconhecendo os arguidos, apesar de os terem reconhecido no inquérito, em nada contribuindo os arguidos para o esclarecimento dos factos e descoberta da verdade, pois como se consignou, “os arguidos mantiveram-se em silêncio”, sendo tal o mutismo que, “Para a prova dos factos relativos à situação pessoal dos arguidos foram relevantes os respectivos relatórios sociais”, como consta do penúltimo parágrafo da “Motivação da matéria de facto”.
O arguido AA , como se vê do ponto de facto 53, foi condenado em 20-11-2001, por tráfico de estupefacientes e resistência e coacção, na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, cumprida e declarada extinta com efeitos a partir de 07-05-2006 (já após o início da presente actividade).
Iniciou o processo aditivo aos 15 anos, sobre o qual a sua família não conseguiu exercer qualquer controlo, não revelando vontade própria na adesão a qualquer tratamento e tendo feito um, voltou a retomar os consumos de heroína. É pai de um filho com 3 anos de idade que está aos cuidados da progenitora.
Será de fazer no que respeita à intervenção do arguido AA uma diferenciação para os três casos em que os bens apropriados eram de valor diminuto, funcionando o disposto no artigo 204º, nº 4, por remissão do artigo 210º, nº 2, alínea b), do C. Penal, o que ocorreu na situação III com a ofendida MP , a quem foi retirado telemóvel no valor de 60 €, na situação VIII, com o telemóvel subtraído a JV, no valor de 80 € e na situação X com o telemóvel de FG, no valor de 40 € e de 2 a 3 € em dinheiro.
Por identidade de razão, o mesmo procedimento se terá em conta no que tange à participação do arguido BB na concreta ocorrência versada na situação VIII, a propósito do telemóvel de JV.
O arguido BB, como resulta do ponto 67 dos factos provados, foi condenado por três vezes por crimes de roubo cometidos em 30-07-1998, 11-04-1999 e 24-12-1999 – sendo dois consumados e um tentado - e no acórdão de 25-06-2002, englobando todas as condenações anteriores foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, que cumpriu até ao final, em 6 de Abril de 2004.
Cometeu os factos por que ora responde em 6 e 7 de Outubro de 2006, ou seja, dois anos e meio após ter cumprido aquela pena única.
E antes de se perfazerem quatro meses após ter sido condenado, por acórdão de 8 de Junho de 2006, por crime de tráfico de menor gravidade, por factos cometidos em 25 - 04 - 2005, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com imposição de regime de prova, o que demonstra de pouco ter valido a advertência feita naquela altura.
Como resulta dos pontos dos factos provados nºs 63, 64, 65 e 66, este arguido, tendo tido um filho aos 16 anos de idade, não assumiu o seu processo educativo, dependendo economicamente à data da detenção, de sua mãe, empregada doméstica; nunca teve estabilidade de desempenho laboral e não demonstra ainda uma vontade clara para efectuar um tratamento à sua toxicodependência, tendo fraca consciência da dimensão dessa dependência e das consequências ao nível sócio - laboral.
O recorrente BB é reincidente, como definido foi no acórdão recorrido.
Após a convolação realizada, a ambos os arguidos, por terem cometido crimes de roubo simples, cabe a penalidade de prisão de 1 a 8 anos, como decorre do artigo 210º, nº 1, do C. Penal.
Atenta a reincidência no caso do arguido BB, de acordo com o artigo 76º, nº 1, do C. Penal, o limite mínimo da pena é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, passando, pois, o mínimo a ser de 1 ano e 4 meses de prisão.
De acordo com a parte final do nº 1 do 76º do C. Penal, a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.
*
Face ao exposto, considera-se adequado e proporcional, e tendo em conta o limite inultrapassável da culpa dos arguidos, fixar as seguintes penas:
Arguido AA
1 - Relativamente a cada um dos dois crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal e artigo 4º do DL 48/95, de 15/03, (situações descritas em III, em que é ofendido PF e V, em que é ofendido MN) é de manter a pena de 4 anos de prisão por cada um desses crimes;
2 - Por cada um dos três crimes de roubo simples versados nos pontos III, VIII e X, em que são ofendidos MP , JV e FG, a pena de 18 (dezoito) meses de prisão;
3 - Por cada um dos doze crimes de roubo simples constantes dos pontos I (um caso - ofendida CV), II (dois casos – ofendidos CA e DX), IV (um caso – ofendida AD), VI (dois casos – ofendidos NFO e MNN), VII (dois casos – ofendidos DFMC e MPAA), VIII (um caso – ofendida SPAM), IX (dois casos – ofendidos PG e FAJT) e X (um caso – ofendido DS), a pena de 2 (dois) anos de prisão.

Arguido BB
1 - Pelo crime de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº1, com referência aos artigos 75º e 76º, do Código Penal, versado na situação VIII, em que é ofendido JV, a pena de vinte meses de prisão;
2 - Por cada um dos três crimes de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, com referência aos artigos 75º e 76º, do Código Penal, referidos na situação VIII, em que é ofendida SPAM e na situação IX, em que são ofendidos PG e FAJT, na pena de 2 anos de prisão.

Pena única

Estabelece o artigo 77º, nº 1 do Código Penal, na redacção do DL 48/95, inalterado pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A moldura abstracta do concurso é balizada por um limite mínimo dado pela mais elevada das penas concretamente aplicadas, tendo como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.
Há que atender ao conjunto de todos os factos, de modo a surpreenderem-se ou não conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através de uma visão ou imagem global do facto, encarado na sua globalidade e no fio condutor presente na repetição criminosa conexionado com a personalidade do agente, que no caso do recorrente BB, mais do que pluriocasionalidade, significará já expressão de algum pendor para carreira e que na situação do recorrente AA apresenta alguns sinais nesse sentido.
Estas conexões de carácter objectivo são patentes na similitude das diversas condutas, como ressalta do contexto factual narrado, sendo por outro lado, de algum jeito uma certa continuação de comportamentos anteriores.
A ilicitude dos factos, no seu conjunto, é significativa, atentando-se em todos os casos contra direitos de personalidade e património alheio.
No que respeita ao recorrente AA estão em causa 17 roubos cometidos no período compreendido entre 27 de Abril e 7 de Outubro de 2006.
Têm ambos um percurso de vida com intersecções com os tribunais e com o meio prisional, tendo ambos cumprido penas de prisão. Denotam igualmente dificuldade em libertar-se da droga, sendo fortes as exigências de prevenção especial positiva, sendo o arguido António reincidente.
Vejamos as molduras de concurso aplicáveis aos recorrentes.
Arguido AA – a moldura do concurso é de prisão de 4 anos a 25 anos (num máximo aritmético de 36 anos e 6 meses).
Arguido BB - a moldura do concurso é de prisão de 2 anos a 7 anos e 8 meses.
Sopesando todos os elementos supra referidos, entende-se por proporcional e adequada a fixação das seguintes penas conjuntas:
Arguido AA – 7 anos e 6 meses.
Arguido BB – 5 anos.

Atenta a pena fixada ao recorrente BB, poderá colocar-se a questão de saber se será de considerar a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena imposta, face à nova redacção dada ao artigo 50º, nº 1, do Código Penal, pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, tendo em conta o princípio da lei penal mais favorável, de acordo com o comando constitucional ínsito no artigo 29º, nº 4 da Constituição da República e artigo 2º, nº 4 do Código Penal.
A nova versão é indubitavelmente mais favorável, pois que actualmente é possível aquela suspensão, reunidos os demais pressupostos, em casos em que tenha sido aplicada pena de prisão até 5 anos.
Colocando-se aqui e agora, pela primeira vez, tal possibilidade, afigura-se-nos que não se deverá avançar no sentido de equacionar uma tal possibilidade, uma vez que o recorrente no âmbito do processo, sempre poderá, se assim o entender, requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime mais favorável, de acordo com o artigo 371º -A do CPP, na redacção dada pela Lei nº 48/97, de 29 de Agosto, em que será avaliada numa audiência essa possibilidade, pois de contrário, decidindo-se desde já, estar-se ia a impedir um grau de recurso, o que contrairia o direito reconhecido em sede constitucional desde a Lei nº 1/1997, com a inclusão da parte final “incluindo o recurso” no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa .

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos recorrentes e em consequência:
1.-Absolver o recorrente AA relativamente a dez crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal e artigo 4º do DL 48/95, de 15/03, que se convolam para outros tantos crimes de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal;
1.1.- Manter a pena de 4 anos de prisão relativamente a cada um dos dois crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal e artigo 4º do DL 48/95, de 15/03, (situações descritas em III, em que é ofendido PF e V, em que é ofendido MN);
1.2. - Alterar as restantes penas e condená-lo, como co-autor material:
1.2. 1 - Por cada um dos três crimes de roubo simples versados nos pontos III, VIII e X, em que são ofendidos MP , JV e FG, a pena de 18 (dezoito) meses de prisão;
1.2.2 - Por cada um dos doze crimes de roubo simples constantes dos pontos I (um caso - ofendida CV), II (dois casos – ofendidos CA e DX), IV (um caso – ofendida AD), VI (dois casos – ofendidos NFO e MNN), VII (dois casos – ofendidos DFMC e MPAA), VIII (um caso – ofendida SPAM), IX (dois casos – ofendidos PG e FAJT) e X (um caso – ofendido DS), a pena de 2 (dois) anos de prisão.
1.3 – Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, fixar a pena conjunta em sete anos e seis meses de prisão.

2. – Absolver o recorrente BB, relativamente a três crimes de roubo qualificado, p. p. pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), 75º e 76º do Código Penal e artigo 4º do DL 48/95, de 15/03, que se convolam para outros tantos de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº 1, com referência aos artigos 75º e 76º do Código Penal;
2.1 – Alterar as penas cominadas e condená-lo, pela co-autoria material de:
2.1.1 - um crime de roubo simples, p. p. pelo artigo 210º, nº1, com referência aos artigos 75º e 76º, do Código Penal, versado na situação VIII, em que é ofendido JV, na pena de vinte meses de prisão;
2.1.2 - três crimes de roubo simples, p. p. pelos artigos 210º, nº 1, com referência aos artigos 75º e 76º, do Código Penal, referidos na situação VIII, em que é ofendida SPAM e na situação IX, em que são ofendidos PG e FAJT, na pena de 2 anos de prisão, por cada um.
2.2 - Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar na pena conjunta de cinco anos de prisão.

Custas pelos recorrentes, nos termos do artigo 513º, nº 1, do CPP e artigos 74º, 87º, nº 1, alínea a) e 89º do CCJ, com taxas de justiça de 7 UC para o recorrente AA e de 6 UC para o recorrente BB.
Foi observado o disposto no artigo 94º, nº 2, do CPP.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2007


Raul Borges (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro